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Os Escravos, por Antonio Frederico de Castro Alves, 11 Poema: Ao romper D'alva, de Os Escravos, de Castro Alves

11 Poema: Ao romper D'alva, de Os Escravos, de Castro Alves

Ao romper D'alva Página feia, que ao futuro narra

Dos homens de hoje a lassidão, a história

Com o pranto escrita, com suor selada

Dos párias misérrimos do mundo! ...

Página feia, que eu não possa altivo

Romper, pisar-te, recalcar, punir-te...

PEDRO CALASANS

Sigo só caminhando serra acima,

E meu cavalo a galopar se anima

Aos bafos da manhã.

A alvorada se eleva do levante,

E, ao mirar na lagoa seu semblante,

Julga ver sua irmã.

As estrelas fugindo aos nenufares,

Mandam rútilas pérolas dos ares

De um desfeito colar.

No horizonte desvendam-se as colinas,

Sacode o véu de sonhos de neblinas

A terra ao despertar.

Tudo é luz, tudo aroma e murmurio.

A barba branca da cascata o rio

Faz orando tremer.

No descampado o cedro curva a frente,

Folhas e prece aos pés do Onipotente

Manda a lufada erguer.

Terra de Santa Cruz, sublime verso

Da epopéia gigante do universo,

Da imensa criação.

Com tuas matas, ciclopes de verdura,

Onde o jaguar, que passa na espessura,

Roja as folhas no chão;

Como és bela, soberba, livre, ousada!

Em tuas cordilheiras assentada

A liberdade está.

A púrpura da bruma, a ventania

Rasga, espedaça o cetro que s'erguia Do rijo piquiá.

Livre o tropeiro toca o lote e canta

A lânguida cantiga com que espanta

A saudade, a aflição.

Solto o ponche, o cigarro fumegando

Lembra a serrana bela, que chorando

Deixou lá no sertão.

Livre, como o tufão, corre o vaqueiro

Pelos morros e várzea e tabuleiro

Do intrincado cipó.

Que importa'os dedos da jurema aduncos? A anta, ao vê-los, oculta-se nos juncos,

Voa a nuvem de pó.

Dentre a flor amarela das encostas

Mostra a testa luzida, as largas costas

No rio o jacaré.

Catadupas sem freios, vastas, grandes,

Sois a palavra livre desses Andes

Que além surgem de pé.

Mas o que vejo? É um sonho!... A barbaria

Erguer-se neste séc'lo, à luz do dia. Sem pejo se ostentar.

E a escravidão — nojento crocodilo

Da onda turva expulso lá do Nilo —

Vir aqui se abrigar! ...

Oh! Deus! não ouves dentre a imensa orquesta

Que a natureza virgem manda em festa

Soberba, senhoril,Um grito que soluça aflito, vivo,

O retinir dos ferros do cativo,

Um som discorde e vil?

Senhor, não deixes que se manche a tela

Onde traçaste a criação mais bela

De tua inspiração.

O sol de tua glória foi toldado...

Teu poema da América manchado,

Manchou-o a escravidão.

Prantos de sangue — vagas escarlates —

Toldam teus rios — lúbricos Eufrates

Dos servos de Sião.

E as palmeiras se torcem torturadas,

Quando escutam dos morros nas quebradas

O grito de aflição.

Oh! ver não posso este labéu maldito!

Quando dos livres ouvirei o grito?

Sim... talvez amanhã.

Galopa, meu cavalo, serra acima!

Arranca-me a este solo. Eia! te anima

Aos bafos da manhã!

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11 Poema: Ao romper D'alva, de Os Escravos, de Castro Alves 11 Poem: Ao romper D'alva, from Os Escravos, by Castro Alves

Ao romper D'alva Página feia, que ao futuro narra

Dos homens de hoje a lassidão, a história

Com o pranto escrita, com suor selada

Dos párias misérrimos do mundo! ...

Página feia, que eu não possa altivo

Romper, pisar-te, recalcar, punir-te...

PEDRO CALASANS

Sigo só caminhando serra acima,

E meu cavalo a galopar se anima

Aos bafos da manhã.

A alvorada se eleva do levante,

E, ao mirar na lagoa seu semblante,

Julga ver sua irmã.

As estrelas fugindo aos nenufares,

Mandam rútilas pérolas dos ares

De um desfeito colar.

No horizonte desvendam-se as colinas,

Sacode o véu de sonhos de neblinas

A terra ao despertar.

Tudo é luz, tudo aroma e murmurio.

A barba branca da cascata o rio

Faz orando tremer.

No descampado o cedro curva a frente,

Folhas e prece aos pés do Onipotente

Manda a lufada erguer.

Terra de Santa Cruz, sublime verso

Da epopéia gigante do universo,

Da imensa criação.

Com tuas matas, ciclopes de verdura,

Onde o jaguar, que passa na espessura,

Roja as folhas no chão;

Como és bela, soberba, livre, ousada!

Em tuas cordilheiras assentada

A liberdade está.

A púrpura da bruma, a ventania

Rasga, espedaça o cetro que s'erguia Do rijo piquiá.

Livre o tropeiro toca o lote e canta

A lânguida cantiga com que espanta

A saudade, a aflição.

Solto o ponche, o cigarro fumegando

Lembra a serrana bela, que chorando

Deixou lá no sertão.

Livre, como o tufão, corre o vaqueiro

Pelos morros e várzea e tabuleiro

Do intrincado cipó.

Que importa'os dedos da jurema aduncos? A anta, ao vê-los, oculta-se nos juncos,

Voa a nuvem de pó.

Dentre a flor amarela das encostas

Mostra a testa luzida, as largas costas

No rio o jacaré.

Catadupas sem freios, vastas, grandes,

Sois a palavra livre desses Andes

Que além surgem de pé.

Mas o que vejo? É um sonho!... A barbaria

Erguer-se neste séc'lo, à luz do dia. Sem pejo se ostentar.

E a escravidão — nojento crocodilo

Da onda turva expulso lá do Nilo —

Vir aqui se abrigar! ...

Oh! Deus! não ouves dentre a imensa orquesta

Que a natureza virgem manda em festa

Soberba, senhoril,Um grito que soluça aflito, vivo,

O retinir dos ferros do cativo,

Um som discorde e vil?

Senhor, não deixes que se manche a tela

Onde traçaste a criação mais bela

De tua inspiração.

O sol de tua glória foi toldado...

Teu poema da América manchado,

Manchou-o a escravidão.

Prantos de sangue — vagas escarlates —

Toldam teus rios — lúbricos Eufrates

Dos servos de Sião.

E as palmeiras se torcem torturadas,

Quando escutam dos morros nas quebradas

O grito de aflição.

Oh! ver não posso este labéu maldito!

Quando dos livres ouvirei o grito?

Sim... talvez amanhã.

Galopa, meu cavalo, serra acima!

Arranca-me a este solo. Eia! te anima

Aos bafos da manhã!