Por que tantos bebês morrem de covid-19 no Brasil?
Por trás de camadas de roupa de proteção, a máscara e as luvas, os médicos e enfermeiros
tentam acolher as crianças dessa UTI com o toque… a voz…
Por causa do descontrole de infecções por covid no Brasil a maioria dos hospitais públicos
vetou visitas nas UTIs.
As crianças com quadro grave de covid, às vezes, passam semanas ou meses sem ver os
pais.
Neste hospital de Fortaleza, os funcionários usaram o próprio dinheiro para comprar celulares
e tablets e permitir que pais e mães possam falar com os filhos, por alguns minutos….
Esta mãe, por enquanto, só pode ver o seu bebê recém-nascido assim…
Os pais, hoje em dia, podem estar com as crianças nas unidades?
Como isso está sendo feito?
Tem sido um imenso desafio trabalhar nas nossas unidades fechadas sem a presença dos pais,
seja o pai, a mãe ou até mesmo um outro familiar...
Porque eles não conseguem compreender essa evolução com gravidade, muitas vezes, e
infelizmente algumas vezes pode evoluir a um óbito.
Então fica uma fantasia, eles não conseguem visualizar essa piora clínica.
Ficam somente palavras.
Palavras trocadas por um telefone, e às vezes com uma pessoa que eles não conhecem.
Onde eles não tiveram um encontro físico, não puderam nem olhar para mim, para criar
um vínculo de confiança e ter essa troca.
Cinara lembra de um menino que, pouco antes de ser intubado, tinha uma única preocupação:
não deixar a mãe sofrer.
Uma frase dele que me marcou muito, porque é um jovem com medo de que a mãe dele sofresse.
E a decisão da intubação foi algo muito impactante, mas naquele momento era algo que
ele precisava para ser tratado e poderia ser reversível, como a grande maioria.
E era um jovem sem comorbidades, mas que infelizmente acabou evoluindo para óbito.
Mais de duas mil crianças de até nove anos morreram de covid no Brasil desde o início
da pandemia.
Isso significa 5 mortes de crianças nessa faixa etária todos os dias.
Os números deixam claro que, ainda que a covid-19 seja mais letal entre os mais velhos,
as crianças não estão imunes.
E a situação do Brasil torna essa vulnerabilidade ainda mais trágica.
Jessika e o marido passaram dois anos tentando engravidar.
Já tinham desistido depois de um tratamento quando veio o teste positivo para a gravidez.
Era o Lucas a caminho… "Vem cá, filho, vem"
Eu sou muito... apegada.
Ele era muito carinho, então eu sempre sonhei em ser mãe.
Eu sempre agarrava ele, beijava ele, e ele acabou pegando isso também.
Ele chegava e me abraçava do nada.
Ele parava os carrinhos de lado e abraçava eu ou o pai dele.
No ano passado, quando o Lucas tinha 1 ano e quatro meses, Jessika notou que ele estava
com febre, falta de apetite e respiração ofegante.
Levou o filho ao hospital e pediu um teste de covid.
O médico disse assim: ‘mãezinha, não se preocupe.
Não precisa fazer teste de covid.
Isso que ele deve estar é uma dorzinha de garganta.
Nas semanas seguintes, o Lucas começou a piorar, sentir muito cansaço e respirar forte.
Jessika resolveu levar o filho de volta ao hospital.
O quadro já era muito grave.
Ele foi transferido para uma UTI, intubado e finalmente fez o teste de covid.
Deu positivo.
Eu, na mesma hora, fiquei em choque.
Foi aquele...
As lágrimas foram escorrendo e eu não sabia o que falar.
Lucas foi diagnosticado com síndrome inflamatória multissistêmica, uma reação ao vírus que
pode acontecer com crianças que foram infectadas e afeta partes importantes do corpo, como o
coração e o cérebro.
Ele ficou 33 dias na UTI lutando pela vida.
Foi apelidado pela equipe do hospital de guerreiro.
Mas acabou morrendo pouco antes de completar 1 ano e seis meses.
Eu fico pensando que o teste naquela época poderia ter salvo meu filho, porque ele teria
tido tratamento adequado e o médico simplesmente não quis.
Ele deu um diagnóstico que ele achou, por achismo.
Mais crianças estão morrendo com covid no Brasil do que em outros países onde esses
dados estão disponíveis.
Para se ter uma ideia, o número de mortes de bebês com menos de 1 ano é 22 vezes maior
que nos Estados Unidos, um país com mais crianças e mais mortes por covid em geral.
Foram 1300 bebês mortos no Brasil desde o início da pandemia.
Aqui no Reino Unido, onde eu tô, foram só duas mortes de bebês.
Por que tanta criança tá morrendo de covid no Brasil na comparação com outras partes
do mundo?
Acho que temos um problema grave na detecção de casos.
Tem pouco teste, em geral, no Brasil.
Para criança é menor ainda, né?
Porque a cultura de que a criança não tem risco para covid, faz com que se teste menos,
Por outro lado, ela chega mais grave no hospital.
Porque tem um atraso no diagnóstico, um atraso então no cuidado dessa criança que já está
infectada, e ao chegar no hospital em estado grave, ela acaba complicando e acaba, é…
também falecendo.
Os sintomas de covid em crianças são diferentes que em adultos.
Além de febre, elas costumam ter dor de barriga, diarreia e dor no peito.
Isso é outro fator que leva a erros de diagnóstico, segundo a especialista.
Uma criança com diarreia, com dor na barriga, é frequente, não é?
Aí você pode levar ao médico, pode levar ao centro de saúde, por exemplo, e o médico
não vai pensar em covid.
Ele tem que pensar em covid agora.
Ele tem que pensar e ele tem que testar.
Depois de perder o Lucas, a Jessika tem tentado alertar outras mães para a importância do
diagnóstico.
Quer evitar que outras famílias passem pela mesma dor.
Cada criança que eu sei que foi salva por algum aviso ou porque a mãe diz: eu vi suas
postagens, por conta disso levei meu filho no hospital e ele está agora em casa se tratando,
me deixa feliz.
É como se fosse um pouco do Lucas.
Esse ano, com o pico de infecções e mortes por covid no Brasil, as crianças também
estão sendo afetadas.
Falta leito de UTI para elas, e isso pode aumentar ainda mais a mortalidade.
O Bernardo, de três anos, pegou covid em março e começou a sofrer falta de ar cinco
dias depois.
Ele tinha a saúde frágil por ter sofrido um afogamento meses antes, e precisava de
cuidado rápido.
O pai correu para o pronto socorro da cidade de Alumínio, em São Paulo.
Avisaram ele que não tinha vaga, que ele precisava ir para uma UTI, não tinha vaga
e estariam buscando uma vaga para São Paulo, se a gente toparia que ele fosse transferido.
Tudo, poderia levar meu filho para outro país, se preciso fosse.
Com a saturação em queda, o Bernardo ficou de 8h da manhã até as 3h da manhã do dia
seguinte no Pronto Atendimento da cidade de Alumínio, esperando para ser transferido
para uma UTI.
Morreu antes de conseguir um leito.
É muito triste você não ter uma vaga.
É muito triste você ficar encarando que, por uma vaga, meu filho foi embora.
Por uma vaga, o pai desse, daquele, a mãe... foi embora.
Era só uma vaga.
As crianças deste hospital já conseguiram vencer a primeira batalha: tiveram acesso
a um leito de UTI e estão sendo tratadas…
A esperança agora é que cada uma delas possa viver esse momento….
de reencontro com os pais….