×

Nós usamos os cookies para ajudar a melhorar o LingQ. Ao visitar o site, você concorda com a nossa política de cookies.


image

Porta Dos Fundos 2021, COCÔ RH

-Licença, chefe. Tudo bem? -Entra aí, Guilherme.

Bom, Guilherme, eu te chamei aqui porque...

infelizmente, eu vou ter que te demitir.

Me demitir? Mas por quê? O que eu fiz?

Você fez cocô, Guilherme.

-Cocô? -Cocô. Cocô. Você fez cocô. Merda.

O senhor está dizendo que eu fiz merda, tudo bem.

Eu só queria saber qual merda que eu fiz.

Porque há dois meses, eu fui muito bem avaliado aqui na empresa.

-Não é nem dia 20, eu já bati meta. -Guilherme, eu não estou falando

de fazer merda no sentido figurado, não.

Eu estou falando de cocô. Cocô de verdade.

Na privada, no banheiro.

-Mas eu mal uso o banheiro, chefe. -Guilherme, olha só.

Você divide o banheiro do seu setor com dois colegas.

Só um deles é homem, que é o Leonardo.

Leonardo magricelinha, pesa 40kg. Um filezinho de borboleta

com aquele cabelinho descolorido dele.

Se ele largasse uma peça dessa aqui que largaram na privada,

ele ia estar como? Deitado, no chão, chorando.

Pedindo uma cadeira de rodas. Olha aqui.

O pessoal até registrou uma foto aqui.

-Você tirou foto do cocô? -Eu tirar foto? De jeito nenhum.

Deus me livre chegar perto desse negócio aqui.

Quem tirou foi o pessoal da limpeza que tirou a foto.

Que eles fizeram um dossiê

que iam levar isso aqui pro sindicato.

Ia ter um piquete aqui embaixo, uma greve e tudo.

A sorte é que eu consegui contornar a situação

oferecendo pra eles um adicional de insalubridade.

-Meu pai do Céu... -Exatamente.

-Isso é cocô mesmo? -Me responda você,

que pariu esta criança.

Botou este neném pra arrotar também?

Quando eu vi isso aqui, até fiquei na dúvida se era de fato

um cocô, ou se era um bicho-preguiça deitado numa jacuzzi.

Relaxando. No Club Med.

Mas aí o pessoal da limpeza até tirou umas amostrinhas aqui.

Faço questão agora de mostrar pra você...

-Não, não precisa, não. Não precisa. -Não, você vai abrir.

Você vai fazer degustação disso aqui. Pra provar que é cocô.

-Você vai provar isso aqui. -Chefe, eu acredito.

Eu acredito em você. Eu acredito. Tá bom? Vamos lá.

Vamos dizer que tenha sido eu. Desde quando

fazer cocô é motivo pra demitir alguém?

Desde que o cocô deixa de ser cocô e vira assédio moral.

Um cocô, quando aumento de tamanho, aumenta de volume

e vira um negócio desse aqui, que é uma coxa

de uma criança de doze anos, ele vira o quê? Ameaça.

Vira atentado ao pudor.

Você sabia que tem gente que, quando abre a privada,

e dá de cara com um negócio desses,

fica com estresse pós-traumático e tudo, Guilherme?

Deixa eu ver se eu entendi. Você está querendo dizer, então

que se não foi o Leonardo que fez o cocô,

o acusado sou eu?

Sabe qual o nome disso?

-Machismo, gordofobia. -Nada a ver isso.

-Que bobagem. -Por que não passou pela sua cabeça

que isso pode ter sido obra de uma mulher?

Mulher não caga?

Mulher caga, mas...

Mas eu não faço isso fora de casa.

Eu tenho vergonha.

Eu sou o que os americanos chamam de "shy pooper".

Espera aí. Você está querendo me convencer, então, Guilherme,

que em três anos de empresa, você nunca fez um cocô aqui?

Claro que já. Já.

Três vezinhas só. Uma por ano,

mas eu tenho todo o ritual pra isso.

Eu deixo todo mundo ir embora, eu acendo incenso.

Eu faço um tapetinho de papel higiênico sobre a água

pro cocô estacionar em cima, sem ter aquele efeito rebote, sabe?

Que é a água batendo na bunda? Eu chamo isso

de "manobra overcraft", ou "colchão castor".

-Que dá uma... -Nossa, engenhoso isso.

Pois é. Que eu estou cansado toda hora de ser acusado

de certas coisinhas, sabe?

"Arrotaram? Foi o Guilherme." "Peidaram? Foi o Guilherme."

"Abriram uma marmita fedida com frango grelhado,

clara de ovo, especiarias e..."

-Foi o Guilherme. -Está vendo? Não foi.

Não foi. Foi a Cássia. Ela que come estas merdas todas.

-A Cássia? -É. Aí eu te pergunto.

Quem é que joga o tarugo nutellado na louça?

Eu, um cara que mal consegue cagar fora de casa,

um cara que está há três semanas sem carbo,

porque estou na pré-bariátrica, em nome de Jesus,

tudo vai dar certo? Ou uma sarada

que come todo dia uma bomba baiana de Whey Protein de banana

-com pasta de amendoim? -É, você tem um ponto agora.

Você lembra quando ela falou

que se perdeu numa trilha durante as férias na Chapada?

-Lembro. -E aí que ela se perdeu

porque um pajé expulsou ela do acampamento

depois dela ter peidado numa reserva indígena?

Ela: "É bom pra biodiversidade." Resultado?

Três espécies extintas,

mais dois caminhões de madeira ilegal com impacto.

Passou até no "Globo Repórter" essa porra.

-Que pessoa ruim. -Olha ela vindo aqui. A sonsa.

Dá licença, chefe. Só pra informar

que acabaram de desovar outra bistecona daquelas no banheiro

e ainda largaram um tatuzinho colado na tábua.

Nossa, que curioso, né, Cássia?

E, por acaso, foi você, mais uma vez,

que descobriu essa bistecona com o tatuzinho.

Não, não. Eu acabei de chegar. Foi o Leonardo, coitado.

Ele está deitado, chorando, pedindo uma cadeira de rodas.

Eu acabei de ligar pra segurança.

Caso encerrado, Meritíssimo. E eu quero um aumento.

Conseguiu.

Por favor, Pai

por favor, meu Deus

o que aconteceu?

Gente.

Pessoal, pessoal.

Não fui eu, não, gente. Vocês...

Se alguém vier...

Alguém pode vir rápido pra poder me ajudar, gente?

Eu não estou sentindo minhas pernas.

Eu não consigo levan...

Vai morrer aqui, hein, se não vier rápido, hein.

Vai falecer, ô pessoal.


-Licença, chefe. Tudo bem? -Entra aí, Guilherme.

Bom, Guilherme, eu te chamei aqui porque...

infelizmente, eu vou ter que te demitir.

Me demitir? Mas por quê? O que eu fiz?

Você fez cocô, Guilherme.

-Cocô? -Cocô. Cocô. Você fez cocô. Merda.

O senhor está dizendo que eu fiz merda, tudo bem.

Eu só queria saber qual merda que eu fiz.

Porque há dois meses, eu fui muito bem avaliado aqui na empresa.

-Não é nem dia 20, eu já bati meta. -Guilherme, eu não estou falando

de fazer merda no sentido figurado, não.

Eu estou falando de cocô. Cocô de verdade.

Na privada, no banheiro.

-Mas eu mal uso o banheiro, chefe. -Guilherme, olha só.

Você divide o banheiro do seu setor com dois colegas.

Só um deles é homem, que é o Leonardo.

Leonardo magricelinha, pesa 40kg. Um filezinho de borboleta

com aquele cabelinho descolorido dele.

Se ele largasse uma peça dessa aqui que largaram na privada,

ele ia estar como? Deitado, no chão, chorando.

Pedindo uma cadeira de rodas. Olha aqui.

O pessoal até registrou uma foto aqui.

-Você tirou foto do cocô? -Eu tirar foto? De jeito nenhum.

Deus me livre chegar perto desse negócio aqui.

Quem tirou foi o pessoal da limpeza que tirou a foto.

Que eles fizeram um dossiê

que iam levar isso aqui pro sindicato.

Ia ter um piquete aqui embaixo, uma greve e tudo.

A sorte é que eu consegui contornar a situação

oferecendo pra eles um adicional de insalubridade.

-Meu pai do Céu... -Exatamente.

-Isso é cocô mesmo? -Me responda você,

que pariu esta criança.

Botou este neném pra arrotar também?

Quando eu vi isso aqui, até fiquei na dúvida se era de fato

um cocô, ou se era um bicho-preguiça deitado numa jacuzzi.

Relaxando. No Club Med.

Mas aí o pessoal da limpeza até tirou umas amostrinhas aqui.

Faço questão agora de mostrar pra você...

-Não, não precisa, não. Não precisa. -Não, você vai abrir.

Você vai fazer degustação disso aqui. Pra provar que é cocô.

-Você vai provar isso aqui. -Chefe, eu acredito.

Eu acredito em você. Eu acredito. Tá bom? Vamos lá.

Vamos dizer que tenha sido eu. Desde quando

fazer cocô é motivo pra demitir alguém?

Desde que o cocô deixa de ser cocô e vira assédio moral.

Um cocô, quando aumento de tamanho, aumenta de volume

e vira um negócio desse aqui, que é uma coxa

de uma criança de doze anos, ele vira o quê? Ameaça.

Vira atentado ao pudor.

Você sabia que tem gente que, quando abre a privada,

e dá de cara com um negócio desses,

fica com estresse pós-traumático e tudo, Guilherme?

Deixa eu ver se eu entendi. Você está querendo dizer, então

que se não foi o Leonardo que fez o cocô,

o acusado sou eu?

Sabe qual o nome disso?

-Machismo, gordofobia. -Nada a ver isso.

-Que bobagem. -Por que não passou pela sua cabeça

que isso pode ter sido obra de uma mulher?

Mulher não caga?

Mulher caga, mas...

Mas eu não faço isso fora de casa.

Eu tenho vergonha.

Eu sou o que os americanos chamam de "shy pooper".

Espera aí. Você está querendo me convencer, então, Guilherme,

que em três anos de empresa, você nunca fez um cocô aqui?

Claro que já. Já.

Três vezinhas só. Uma por ano,

mas eu tenho todo o ritual pra isso.

Eu deixo todo mundo ir embora, eu acendo incenso.

Eu faço um tapetinho de papel higiênico sobre a água

pro cocô estacionar em cima, sem ter aquele efeito rebote, sabe?

Que é a água batendo na bunda? Eu chamo isso

de "manobra overcraft", ou "colchão castor".

-Que dá uma... -Nossa, engenhoso isso.

Pois é. Que eu estou cansado toda hora de ser acusado

de certas coisinhas, sabe?

"Arrotaram? Foi o Guilherme." "Peidaram? Foi o Guilherme."

"Abriram uma marmita fedida com frango grelhado,

clara de ovo, especiarias e..."

-Foi o Guilherme. -Está vendo? Não foi.

Não foi. Foi a Cássia. Ela que come estas merdas todas.

-A Cássia? -É. Aí eu te pergunto.

Quem é que joga o tarugo nutellado na louça?

Eu, um cara que mal consegue cagar fora de casa,

um cara que está há três semanas sem carbo,

porque estou na pré-bariátrica, em nome de Jesus,

tudo vai dar certo? Ou uma sarada

que come todo dia uma bomba baiana de Whey Protein de banana

-com pasta de amendoim? -É, você tem um ponto agora.

Você lembra quando ela falou

que se perdeu numa trilha durante as férias na Chapada?

-Lembro. -E aí que ela se perdeu

porque um pajé expulsou ela do acampamento

depois dela ter peidado numa reserva indígena?

Ela: "É bom pra biodiversidade." Resultado?

Três espécies extintas,

mais dois caminhões de madeira ilegal com impacto.

Passou até no "Globo Repórter" essa porra.

-Que pessoa ruim. -Olha ela vindo aqui. A sonsa.

Dá licença, chefe. Só pra informar

que acabaram de desovar outra bistecona daquelas no banheiro

e ainda largaram um tatuzinho colado na tábua.

Nossa, que curioso, né, Cássia?

E, por acaso, foi você, mais uma vez,

que descobriu essa bistecona com o tatuzinho.

Não, não. Eu acabei de chegar. Foi o Leonardo, coitado.

Ele está deitado, chorando, pedindo uma cadeira de rodas.

Eu acabei de ligar pra segurança.

Caso encerrado, Meritíssimo. E eu quero um aumento.

Conseguiu.

Por favor, Pai

por favor, meu Deus

o que aconteceu?

Gente.

Pessoal, pessoal.

Não fui eu, não, gente. Vocês...

Se alguém vier...

Alguém pode vir rápido pra poder me ajudar, gente?

Eu não estou sentindo minhas pernas.

Eu não consigo levan...

Vai morrer aqui, hein, se não vier rápido, hein.

Vai falecer, ô pessoal.