QUARENTENA CRIATIVA
Meu amor, cadê você? Voltei do mercado e não te achei.
Cleiton, eu não estou em casa.
Eu aproveitei que você saiu e fui embora.
Como é que você foi embora e ainda nem levou a sua máscara
de casca de laranja que eu fiz pra você?
Eu aproveitei que você saiu
e vim me isolar na casa da minha irmã.
Não aguento mais o Cleiton da quarentena.
Mas que Cleiton de quarentena?
Não tem Cleiton de quarentena...
eu sou o bom e velho Cleiton, o Cleiton de sempre.
Não é.
O Cleiton de sempre trabalha no financeiro de uma ótica no Méier.
O Cleiton de sempre não acorda 5h da manhã
pra fazer ioga na live da Pugliesi.
E o Cleiton de sempre não faz
-massagem tântrica no nosso gato. -Mas você...
espera aí! Agora você está tocando em um ponto.
Você viu a carinha que ele fez,
que foi uma carinha de alegria, aquele...
que ele fez foi uma sensação
-que ele nunca tinha tido antes. -Eu só quero ficar aqui, olha.
Deitadinha em posição fetal. Tomar muito vinho, dormir
como qualquer pessoa e maratonar minha série.
-É só isso que eu quero fazer. -Meu amor, nesse momento,
é um momento em que está todo mundo aprendendo coisa nova.
Tem tanto curso online, tem personal fazendo live
pra gente manter a saúde em dia.
É hora de aprender...
eu estou até aprendendo idioma.
Aprender idioma é inglês, é francês.
Você está aprendendo búlgaro.
Você não sabe onde fica Bulgária.
-O quê? -Se você tivesse feito búlgaro,
você ia entender a minha resposta com perfeição.
-Você é ridículo, Cleiton. -Típico teu.
Você está me questionando porque você não me aguenta
exercitando a minha criatividade nessa quarentena.
A verdade é uma só.
-Criatividade que você diz, né? -É lógico.
-É isso aqui? -Vai dizer que não gostou?
Eu customizei seu Converse tão bonito.
Está todo mundo fazendo isso, pelo amor de Deus.
Isso é coisa jovem, é a coisa do momento.
-É coisa atual. -Cleiton,
ficou lindo. Eu adorei o que você fez.
Mas você não parou por aí. Olha as minhas roupas.
Pelo amor de Deus, Cleiton.
Olha a minha bolsa. Isso aqui custa três meses de auxílio do Governo.
Eu tinha que lançar a coleção toda.
Se você tivesse assistido a live do Ronaldo Ésper comigo,
você saberia o que eu estou dizendo.
Coleção você diz aquela grife de merda de cachecol pra pombo
que está até hoje cheio de arroz dentro dessa casa.
Como é que eu ia chamar o pombo se eu não jogasse um arroz,
um milho, um resto de comida?
-Um farelo de bolo? -Cagaram minha casa inteira.
Tudo bem. Tá. Eu entendo.
Eu posso estar um pouco exagerando nessa coisa da criatividade.
Não, Cleiton. Não, não, não.
-A culpa é minha, né? -É.
Como sempre, como você sempre diz, a culpa é minha.
Eu acho que eu que tenho que me abrir às novas experiências.
Eu acho isso um pouco, meu amor.
A gente tem que estar aberto pra absorver, pra receber.
Se transformar em uma pessoa melhor, hein?
É, Cleiton, é verdade. Você tem razão.
Eu vou fazer o seguinte. Eu vou dar uma malhada
com o meu personal, né?
Estou precisando me movimentar muito nessa quarentena.
Exatamente. É bom que libera.
É bom que te solta um pouco. Agora, eu não sabia que Sérgio
e teu pessoal estava fazendo live, não.
Não, ele não está.
Como assim?
Ô, Marta. Não, espera aí.
Marta, volta aqui. Marta. Não desliga, não.
Fala, galera. Como é que vocês estão?
Na quarentena? Confinados?
Pois é, difícil ter o que fazer, né?
Depois que a Marta me largou, eu fiquei um pouco também...
andando sozinho olhando pro vazio.
Mas é por isso que eu fiz o quê?
Eu construí a Telma.
Pode ser uma boca dica de companhia nessa quarentena.
É um abacate, olha que bacana, ainda não maduro, tá?
Porque é pra durar mais. Porque já, já fica mole,
ela se desfalece e a gente brinca que é lepra.
E a gente se diverte pra caramba.
Por isso que olha o que eu fiz.
Customizei o outro Converse aqui, olha.
A gente se diverte muito junto.
A Telma me adora.
Telma, volta aqui, Telma. Que isso?
Gente, a Telma foi embora.