NOTA DE REPÚDIO
Eu sou a Noemia Oliveira.
E esta é a nota de repúdio do Porta dos Fundos.
A gente está aqui para dizer que não podemos mais,
e nem vamos, ficar à margem disso...
Oi, vocês estão me ouvindo?
-Não ouve, não ouve. -Acho que eles não estão ouvindo.
Como é que faz aqui? Gente... Vocês me ouvem?
-Alô? -Eles não ouvem, Noemia,
-eu falei pra você. -Espera aí, Nath. Espera aí.
Está modulando o som pra você?
-Tudo normal. -Espera aí, deixa eu...
-Oi, alguém? Alguém? -Noemia...
Alguém me escuta? Oi, um minutinho aqui, por favor.
-Noemia... -Não está rolando.
Não é isso de áudio, não é...
Modular o som, só se for aquele apito
de frequência de cachorro para modular na frequência branco.
Como não tem essa possibilidade, acabou.
-Vocês me ouvem? Gente? -Não, nada. Nada.
Aqui, olha. Vocês estão me ouvindo agora?
Já sei.
-Boa! -Não é, não.
Eles não estão ouvindo ainda, eu acho.
Põe um tiro, um barulho, um negócio de "Cidade Alerta".
Vou botar aqui.
Vê se... Olha.
Não está rolando, não.
-Não sei se... -Vocês estão me vendo agora?
Vocês me veem?
-Não... -Olha aqui, sou eu.
-Não está... -Vocês estão me vendo agora, né?
Aqui, olha... Estou ficando mais visível.
Acho que não vai, foda-se. Não deu.
Vamos testar outra coisa. Vamos no inglês.
-Ah, boa! -Inglês sai bastante.
Black lives matter.
Black lives matter.
-Não. -Você sabe sambar?
-Você faz alguma coisa? -Cara, eu até sei, mas...
-Foda-se! -Ah, já sei! Vamos...
Me dá um Fábio Porchat aí.
-Um Fábio Porchat... -Opa!
E um João Vicente.
-Pronto. -Olá!
Oi, gente! Tudo bem? Então agora está com vocês.
-Vamos lá? -Claro. Vamos lá.
Um, dois, três e... Gravando!
Agora mais do que nunca precisamos nos unir.
Unir forças contra o racismo, afinal somos todos iguais,
não importa a cor da pele, o que importa é o sangue
-que corre nas nossas veias. -Ah, opa!
-Esse sim é mesma cor. -Opa! João.
-O quê? -Rapidinho...
-Não? -É porque, na verdade, tem...
-Eu enrolei um pouco, não foi? -Não, não.
É pra gente falar mais das nossas vidas mesmo, entendeu?
-Mas que tenha a ver... -Aqui, deixa comigo.
Acho que você vai gostar do que eu tenho.
Estamos aqui para dizer que todas as vidas importam muito.
Todas.
All lives matter.
Não é bem por aí. Vamos focar aqui?
Mais aqui, na gente? Vamos testar assim?
Comigo, assim: "Vidas pretas importam."
Você consegue falar "vidas pretas"? Dá pra falar?
Não, não... Desculpa te interromper.
Pra mim, o racismo é muito isso, entendeu?
Vida preta, vida branca, é tudo vida.
Parece que aí preto vale mais. Será que preto vale mais?
Não. Vale igual. Igualdade.
Está todo mundo na luta, lado a lado.
Todas as vidas importam. Acho que fica mais sonoro.
Todas as vidas importam.
A nossa luta aqui também é difícil, né, João?
A gente agradece a explicação.
-Não é, Noemia? -Não, eu estou...
Eu acho até esquisito falar preto, hein, Noemia.
É bom dar uma pesquisada porque pode pegar mal.
-Ô, Fábio, será que a gente... -Vê o que vocês acham
de uma coisa assim ó...
Vou falar preto, mas porque vocês estão deixando.
Os pretos precisam de ajuda.
Por isso, se você é contra o racismo,
use a hashtag sem dó.
#EssaLutaÉDeTodos.
Cortou.
-Fábio, pode abaixar a mãozinha. -Abaixar pra mais perto do rosto?
Não, tirou a mão. Tirou a mão. Sem mão.
Agora vamos testar uma outra coisa. Vamos direto na hashtag?
Assim, direto. Vamos lá? Ação.
-#FicaBabu. -Eu era time Thelma!
-É, mas... -Eu era da Thelma,
embora a Rafa Kalimann tenha muita coisa interessante.
-Ai, está ficando puxado. -Ela falava coisa
que era bom a gente prestar atenção.
E ela tem um projeto bacanérrimo na África
em que ela ajuda preto para caramba.
É, bacana... Gente, então...
Eu não quero nem interromper, não.
Eu estou achando que vocês estão bem,
então vou fazer só um negocinho, vocês esperem aí rapidinho.
Eu estou ajeitando aqui.
Porque aí eu vou gravar vocês indo na de vocês.
Vocês vão na de vocês, não parem de falar, tá bom?
Um, dois, três... Foi.
Quantas vidas pretas valem a minha?
O que mais precisa acontecer para que eu, branco, perceba
que sou parte fundamental para a solução disso tudo.
Eu tenho certeza que durante a escravidão
também existiam vários brancos bem-intencionados como eu
que lamentavam a sorte do povo preto,
enquanto compravam um deles.
O que eles poderiam ter feito de diferente?
O que nós podemos fazer?
Quem não luta contra o racismo está lutando a favor dele.
O racismo está nos detalhes, na brincadeira, no olhar.
Quando você percebe que trabalha num ambiente
que não tem nenhum preto e não faz nada para mudar isso.
Vidas pretas importam.
Cortou! Foi.
-Muito bom. -Ficou ótimo, hein?
-Sensacional. -Eu falei do lugar de fala,
porque eu achei que é a palavra da moda,
eu joguei e achei que falei com propriedade.
Nossa, isso aí foi uma aula que você me deu.
No final você viu que eu falei com firmeza?
Um negócio: "Não temos que nos vitimizar."
-Importante. -Você viu aquele negócio?
Mas você assistiu "12 Anos de Escravidão"?
-Porque aborda muito essa questão. -Puta merda!
É um puta filme!
É um filme lindo. Enfim, a escravidão...
Era legal vocês darem uma investigada nisso.
-Porque tem uma violência... -Não, você já viu "Malcolm X"?
"Malcolm X". Tem um documentário maravilhoso.
Não cheguei a ver, não cheguei a ver.
Esse do 12 anos tem uma negra linda...
Eu vou...
Eu tenho que ir, tá bom?
Miguel Otávio Santana da Silva, 5 anos.
Foi impedido pela empregadora de sua mãe de ficar junto dela
e caiu do nono andar.
Cláudia Silva Ferreira, 38 anos.
Arrastada 350m por um carro da polícia.
Bianca Regina de Oliveira, 22 anos.
Baleada na cabeça enquanto dormia em sua casa
durante uma ação do INEA na Cidade de Deus.
Marielle Franco, 38 anos.
Quatro tiros na cabeça, dentro do próprio carro.
Pedro Gonzaga, 19 anos.
Asfixiado até a morte num supermercado.
Ana Carolina de Souza Neves, 8 anos.
Morta por uma bala perdida na cabeça.
Foi atingida dentro de casa em Belford Roxo.
Roberto de Souza, 16 anos.
Carlos Eduardo da Silva Souza, 16 anos.
Cleiton Correia de Souza, 18 anos.
Wesley Castro, 20 anos.
Wilson Esteves Domingos Junior, 20 anos.
Os cinco jovens foram mortos quando voltavam de carro
do Parque de Madureira, no Rio,
e policiais militares dispararam 111 tiros em direção ao carro.
Kauê dos Santos, 12 anos.
Baleado na cabeça ao voltar para casa
durante uma operação da polícia militar
no Complexo do Chapadão.
João Pedro, 14 anos.
Morto por um tiro de fuzil nas costas pela PF
no Complexo do Salgueiro.
Luana Barbosa, 34 anos.
Morta espancada por três policiais militares
na esquina da sua casa, em Ribeirão Preto.
Seu filho de 14 anos viu tudo.
Rodrigo Cerqueira, 19 anos.
Baleado durante distribuição de cesta básica.
Marcos Vinícius, 14 anos.
Baleado na barriga e morto pela PM do Rio no Complexo da Maré,
indo para escola e usando uniforme escolar.
Ágatha Félix tinha 8 anos.
Foi baleada nas costas pela PM do Rio,
quando voltava pra casa de sua mãe no Complexo do Alemão.
David Nascimento dos Santos, 23 anos.
Encontrado baleado
após ser colocado em uma viatura da PM
enquanto aguardava uma entrega de lanche na favela do Areião, SP.
Evaldo dos Santos, 51 anos.
Assassinado pelo Exército Brasileiro,
que disparou mais de 80 tiros de fuzil
em direção ao seu carro, onde estavam Evaldo e sua família.
POR ESSAS E POR TODAS AS OUTRAS VIDAS INTERROMPIDAS.
#VIDASPRETASIMPORTAM