HANS STADEN - O LIVRO MAIS SABOROSO DO BRASIL - EDUARDO BUENO (1)
Ah, que livro saboroso!
Que prova deliciosa!
Cada palavra parece nutritiva, quanto tempero nessa literatura!
Aí você pensou: "tô tendo um deja vu, já vi esse início!".
Sim, já viu, cara.
Mas aquele início não era sobre esse livro aqui.
Eu jamais falaria aqui sobre o novo livro de Eduardo Bueno, "Textos Contraculturais,
Crônicas Anacrônicas e Outras Viagens", eu não usaria esse canal pra fazer propaganda
de mim mesmo!
E o seguinte, e nem repetiria uma abertura se ela não tivesse ligada a outra história.
Você já viu aqui o episódio do Hans Staden e seu fabuloso livro.
Mas você não viu a história do livro em si!
Do livro em si!
E é isso que faremos agora: a história do LIVRO do Hans Staden!
"Deus me livre, deus me livre!
Tomara que eu não seja obrigado a ler esse livro!".
Hahaha obrigado a ler livro, né.
As pessoas são obrigadas a ler livro.
Uma vez eu tava andando na praia do Rosa em Santa Catarina e veio vindo...
Eu nem ia falar isso, mas é que me lembrei agora, de improviso.
Veio vindo uma mina até que bem interessante e tal, bá, ela olhou pra mim e disse assim:
"tu é o fulano de tal?".
Eu digo "sim, sou eu".
"Eu fui obrigada a ler teu livro no colégio!", bom, problema é teu, cara.
Aliás, é uma bênção ser obrigado a ler um livro meu, né.
Mas mais bênção ainda, cara, é você ser obrigado ou então ler esse livro espetacular.
O livro do Hans Staden.
Eu já contei aqui no episódio anterior, não sei quando ele foi ao ar, a história
do Hans Staden.
Mas tu precisa ver a história do livro, cara!
O Hans Staden veio pro Brasil duas vezes, tanto é que o livro se chama "DUAS Viagens
ao Brasil"...
Veio em 1548, ficou até 49, voltou em 1550 e ficou até 1556.
E aí cara, em 1557, mais especificamente na terça-feira de Carnaval de 1557, em Marburg,
na Alemanha, foi lançado o livro dele.
Porque sabe o que que acontecia?
Muitos caras letrados, muitos escritores de aluguel... esses jornalistas que já tavam
perdendo emprego...
Você sabe, a imprensa acabou, cara, a imprensa acabou por causa do Facebook, do Whatsapp,
a gente não precisa mais de imprensa... então aqueles caras ficaram desempregados justamente
na terra onde havia sido inventada a imprensa, não é.
É ali na Alemanha que o Gutemberg inventou os tipos móveis, né.
Em 1454 o grande Gutemberg criou os tipos móveis e por isso foi inventada a imprensa.
E aí um monte de livros de pessoas que retornavam do Novo Mundo passaram a vender bastante.
O primeiro deles, você sabe, é o Américo Vespúcio.
Eu já falei aqui, ele escreveu um livro chamado "Novo Mundo" que é o livro que batizou a
América e que se passa no Brasil!
Só que esse foi escrito por ele próprio.
A maior parte dos marinheiros que voltavam, os marujos que voltavam do novo mundo eram
analfabetos.
Então ficavam uns caras ali tipo o Eduardo Bueno, o Daniel Defoe... e o cara desembarcava
e o cara perguntava "e aí, viveu muitas aventuras lá?"
e o cara dizia "sim!", daí o cara dizia "me conta que eu vou escrever" E foi isso que
aconteceu com o Hans Staden, cara.
O Hans Staden não era analfabeto de pai e mãe, mas não era um letrado, e ele resolveu,
voltando dessa história incrível, dessa história inacreditável que você já viu
no "Não Vai Cair no ENEM" e se não viu PARA AGORA NESSE MOMENTO esse episódio, vai lá
no episódio do Hans Staden, vê os 24 deliciosos minutos do Hans Staden e agora volta pra esse
ponto aqui e começa a ver a história do livro do Hans Staden.
Ele desembarca na.. de volta a Alemanha, finalmente, em 1556 e resolve escrever o seu relato, ou
ditar o seu relato.
E um cara chamado "doutor Johann"... ãã como era mesmo o nome do cara?
Dryander, Johann Dryander, que era... vou ter que ler o que que ele era.
Ele era catedrático da universidade de não sei da onde...
Que que ele era, que que ele era..
Ele era catedrático duma universidade lá, ãããããã, depois eu vejo aparece aqui,
não interessa, não achei aqui agora, mas ele estudava matemática, ele estudava cosmologia...
E ele, como ele próprio diz, ele apenas editou, corrigiu e aperfeiçoou quando necessário
o relato original do Hans Staden, mas que talvez tenha sido um relato verbal.
O fato é que em 1557 o livro foi lançado.
Sabe qual era o título do livro, cara?
Sabe qual era o título do livro, o título com o qual ele chegou às livrarias?
Claro que não era livraria, esses livros eram distribuídos, né, eram vendidos por
vendedores ambulantes.
O livro se chamava "História verídica e descrição de uma terra de selvagens nus
e cruéis, comedores de seres humanos, situada no Novo Mundo da América, desconhecido antes
e depois de Jesus Cristo e desconhecido aqui nas terras de Hesse até dois anos atrás,
visto que Hans Staden, de Homberg, em Hesse, o conheceu por experiência própria e agora
publica esse livro com as suas impressões".
Hehehe!
Esse é o título do livro, tá aqui, ó, tá aqui o frontispício, tá aqui a capa
original do livro cujo título era esse.
Naquela época os livros realmente tinham esses títulos tão caudalosos quanto um episódio
de NVCNE.
E o livro bombou, cara!
Porque o livro faz a primeira e a mais precisa, a mais minuciosa descrição do banquete antropofágico:
gente comendo gente.
Isso não pega bem, né, olha ali, gente comendo gente.
E aí cara, as pessoas começaram a ler, a ler, a ler.
E em 1558 o livro já saiu em holandês; em 1559 ele saiu em latim; em 1560, ele saiu
em flamenco... né, que é meio belga, meio holandês.
Depois foi publicado na Inglaterra, foi publicado na França, virou um best-seller.
E teve várias edições piratas, teve várias cópias que o Hans Staden e o doutor Drylander
aí não receberam dinheiro nenhum.
Cara, e as pessoas liam assim, de boca... cagááabe... aliás, alguns até salivando
quando descreviam o banquete antropofágico.
E o livro, além de fazer muito sucesso, ainda fez um sucesso... fez um sucesso popular e
teve uma grande fortuna crítica!
Porque os historiadores da época leram e perceberam estar diante de um relato factual,
verdadeiro...
Tinha muita mentira nos livros descritos por outros cronistas...
E o do Hans Staden era de uma precisão impressionante, tudo de fato tinha acontecido!
No entanto, o livro, como soia acontecer aqui nos tristes trópicos, demorou muito tempo
pra chegar aqui no Brasil...
E quando chegou, a primeira tradução portuguesa é de 1892 e é desastrosa!
Ela foi feita por um dos sócios, eméritos sócios, do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, que era o Tristão de Araripe Junior...
Mas ele era chefe de polícia.
Porra, chefe de polícia!
Ele também era advogado.
Porra, advogado!
E ele também era... desembargador!
Ah, desembargador ainda vá...
Você sabe, o Canal Buenas Ideias adora desembargadores, é uma classe eleita.
Mesmo assim, o doutor Tristão de Araripe Junior fez um trabalho horroroso, a tradução
é muito ruim...
Não só a tradução dele, porque ele se baseou na tradução francesa que também
já era ruim.
E nem mesmo as notas que ele copiou duma outra edição inglesa feitas pelo Richard Francis
Burton, aquele maravilhoso viajante, que algum dia receberá um episódio só pra ele aqui
no NVCNE, blábláblá, você já sabe, talvez eu grave HOJE o episódio sobre o Francis
Burton...
Ele teve, ele fez essas notas, e as notas foram publicadas mas mesmo assim não salvou
o livro, de tão ruim que ele era.
Mas aí, oito anos depois, em 1900... inclusive, o dia foi lançado no dia 1o de janeiro de
1900, uma tradução de um botânico suíço que veio ao Brasil, Albert Lofgren... e aí
sim, essa é uma boa tradução, feita do original alemão, e ainda tem notas do Teodoro
Sampaio, um engenheiro baiano, historiador, pesquisador e engenheiro, negro...
Um cara inacreditável que merece, algum dia vai ter também um episódio aqui, Teodoro
Sampaio, um dos meus historiadores favoritos do início do século 20...
Que fez as notas do livro, tá.
Essa tradução do Lofgren, ela foi feita direta do original alemão... duma versão
de 1557 que tinha sido adquirida pelo Paulo Prado...
Pelo Eduardo Prado!
O Eduardo Prado era um ricaço, no tempo que rico lia no Brasil... e que era um dos fundadores
da Academia Brasileira de Letras... e que era um cara chique, fino e letrado e um bibliófilo,
um cara que comprava edições originais...
E ele que cedeu essa edição original pro Albert Lofgren traduzir.
Só que mais importante do que isso é o fato de que o Eduardo Prado era pai do Paulo Prado!
E o Paulo Prado era um cafeicultor também rico e parará, que adorava cultura, que morava
em Paris, que escreveu um livro muito importante chamado "O Retrato do Brasil" e que, acima
de tudo, foi o financiador da Semana de Arte Moderna de 1922!
Foi o cara que bancou, foi o mecenas, foi o cara que deu um dinheirão pro Oswald de
Andrade, pra Tarsila do Amaral e pra essa turma toda, Heitor Villalobos, fazerem aquele
grande e marcante.. semana de arte moderna, aquele festival, no Teatro Municipal.
E então se supõe, mas é óbvio que foi, embora seja só uma suposição, não há
provas diretas, que foi ele deu a versão traduzida pelo Lofgren para que a Tarsila
do Amaral e o Oswald de Andrade lessem esse clássico incrível, e foi a partir dessa
leitura que a Tarsila do Amaral, que ficou muito impressionada com o fato de que o Hans
Staden dizia que o prisioneiro tinha que entrar pulando na taba e dizer "vossa comida chegou,
pulando"... foi baseada nessa passagem e nesse livro que ela fez aquela extraordinária pintura,
"O Abapuru", o comedor de gente...
O quadro mais famoso da história da pintura brasileira.
O quadro que fez com que o Oswald de Andrade se inspirasse a lançar o Movimento Antropofágico
e o Movimento do Pau Brasil, baseados nessa leitura que eles tiveram, enlouquecedora,
do clássico do Hans Staden.
E você sabe quem odiava os Modernistas, quem criticava os Modernistas e sempre falava mal
dos Modernistas, né.
Claro, tu sabe, o Monteiro Lobato.
Só que o Monteiro Lobato também ficou vivamente impressionado pelo livro e em 1925 ele resolveu
fazer uma adaptação infantil do livro...
Ele traduziu ou adaptou, talvez, possivelmente até da própria tradução do Lofgren, e
lançou um livro chamado "Meu Cativeiro Entre os índios do Brasil", na qual Dona Benta,
a Emília, barará, recontam a história do Hans Staden...
E é muito incrível porque ele diz o seguinte: qual é o livro mais popular do mundo?
O livro mais popular do mundo é Robison Crusoe, Robison Crusoé...
Só que as aventuras do Robison Crusoé são fictícias..
E as do Hans Staden são ainda mais incríveis e, acima de tudo, verdadeiras, né.
Então ele dizia: "esse livro tem que ser posto dentro da sala de aula!
As crianças tem que ler esse livro, as crianças tem.. vão mergulhar na história do Brasil
colônia de um jeito como nunca mergulharam"... até o advento do Canal Buenas Ideias... com
esse livro, que era verdade.
Bom, mas daí mesmo assim, em 1941, saiu uma outra edição bem boa também, traduzida
pela Guiomar Carvalho Branco...
Carvalho Branco, é isso?
Guiomar Carvalho Branco, acho que sim...
E o Assis Carvalho Branco, que era...
Carvalho Franco, animal!
Guiomar Carvalho Franco e o Assis Carvalho Franco, que era um grande pesquisador dos
bandeirantes paulistas, que fez uma belíssima introdução...
A tradução da Guiomar nem é assim tão espetacular mas as notas do Assis Carvalho
Franco são porque ele vincula a expedição... a presença do Hans Staden no Brasil com a
expedição do Juan Sanabria, que é uma expedição que se tivesse vingado toda a história do
Brasil teria sido diferente... porque os espanhóis iriam ocupar o sul do Brasil que de fato pertencia