A CRIAÇÃO DAS MISSÕES - EDUARDO BUENO (2)
ideia de que o cristianismo é uma "doutrina comunista", né: "pense nos outros como em
si mesmo"... distribuir as tuas posses... é mais fácil um camelo entrar no reino do
céu do que um rico, etc. e tal!
Daquele rabino comunista que nasceu lá perto de Jerusalém né, tu sabe a história.
Na verdade, é uma polêmica ideológica há anos.
Se discute se o modelo dos jesuítas teria sido a Utopia do Thomas Morus, ou se teria
sido A Cidade do Sol, de Tommaso Campanella, esses
livros sobre sociedades utópicas.
Ou, se o modelo teria sido A República, de Platão...
E é uma balela, né, cara, porque não era nada disso.
Era realmente só um projeto de CATEQUESE.
E muitos dizem ainda que também um projeto de "lavagem cerebral" da pobre indiada, né.
Porque além de tudo, o seguinte: eles foram forçados (forçados, não), eles foram conduzidos
a um método de trabalho com horário, com rigidez, barará.
Indío nunca teve horário, né!
Também tinham que bater ponto lá nas Missões.
Além de tudo, tinha que estudar LATIM!
Imagina que horror, estudar latim!
E o pior de tudo, né: as casinhas que fizeram eram tipo um quartel; eram grandes barracões.
De início eles eram de barro...
A origem dessas missões originais, dessas missões que tu NUNCA OUVIU FALAR!
Tô te falando sério: TU NUNCA OUVIU FALAR NESSA HISTÓRIA, sou eu que tô te contando!
Porque quando as pessoas ouviram falar das missões elas ouviram falar da SEGUNDA FASE
DAS MISSÕES, depois da sua destruição, que é de mil setecentos e tanto a 1756, que
é a Guerra Guaranítica, "os sete povos das missões".
Essa é outra história, outra história.
Eu tô te contando uma história anterior, uma história cem anos antes, praticamente!
Cem anos antes da Guerra Guaranítica.
Então o... que é que eu tava dizendo mesmo, que eu quase me esqueci?
Não interessa!
O criador dessas missões de Província de Guayrá foi o Antonio Ruiz de Montoya, que
era um cara que tinha nascido em 1595 em Lima, no Peru, numa família rica, e que era um
linguista!
Adorava estudar o quéchua e as línguas indígenas do Peru e veio atraído pela sofisticação
da língua Guarani.
Foi pro Paraguai pra aprender Guarani e lá ele se converteu à Companhia de Jesus, virou
um jesuíta, e ele funda a chamada Província do Guayrá.
O outro cara que fundou o Tape é Roque Gonzalez de Santa Cruz, que nasceu 1576 em Asunción,
no Paraguai, e que foi o primeiro homem branco a ocupar... a entrar onde hoje é o Rio Grande
do Sul, o Oeste do Rio Grande do Sul.
Ele cruzou o Rio Uruguai... ele escreve o momento em que ele cruza numa balsa o Rio
Uruguai... e entra no Rio Grande do Sul por volta de 1612, por aí, sei lá, depois eu
boto a data certa aqui.
Toma contato... e é o seguinte, ele era especialista em agricultura, ele era arquiteto e ele era
linguista também.
Ele estudou muito, muito, muito a língua guarani.
Ele também, que nem o Montoya, ele era nascido numa família rica de Asunción, no Paraguai,
de "encomenderos".
"Encomenderos" eram aqueles caras que tinham um monte de escravo indígena, eles encomendavam
né...
Vai estudar o que é "encomenda", eu não vou te falar!
Era uma forma de escravidão disfarçada porque o cara encomendava a alma dos índios pra
Deus, então eles eram "encomenderos", eles recebiam esses índios de "encomenda" e os
índios trabalhavam para eles em troca de terem sua alma salva!
Era uma instituição vil, uma instituição sórdida, que perdurou por toda a América
Espanhola, os "encomenderos".
E ele era filho de um encomendero, mas ele se apaixonou pela causa indígena, primeiramente
pela língua guarani.
Aí ele vem e funda várias reduções... ele funda mais de 10 reduções no Rio Grande
do Sul, no Oeste do Rio Grande do Sul.
Mas ele é morto!
Ele é morto pelo cacique Nheçu, que PÁ!
Dá um tacape e puft, abre a cabeça dele.
Porque cara, os jesuítas eram inimigos dos xamãs, dos pajés, né, que eram os líderes
espirituais, pápápá.
Aí o Roque Gonzalez vacilou e PUM, o Nheçu matou ele.
Mas o coração dele ainda existe, tá preservado dentro de uma redoma, é o "santo" Roque Gonzalez.
Mas é uma figura incrível mesmo, o Roque Gonzalez.
Mais incrível ainda é o Antonio Ruiz de Montoya, que agooora que vai começar o episódio...
Quanto tempo tem esse episódio!?
Quanto tempo tem esse episódio aí?
Vinte!
Vai ter mais CINQUENTA MINUTOS, porque agora tá na METADE DO EPISÓDIO!
Esse é o nonagésimo nono, eu faço o que eu quiser!
Porque sério cara, agora que começa.
Porque a partir de 1624 os bandeirantes paulistas... que não chamavam bandeirantes, né, cara!
Bandeirantes é um nome quase do século 20!
Eles chamavam paulistas... é, é assim que eles eram conhecidos.
Ou sertanistas, ou paulistas.
Os jesuítas, que fizeram os relatos mais amedrontadores que tu possa imaginar, desses
ataques dos bandeirantes, chamavam eles única e exclusivamente de "paulistas".
Bom, esses caras começaram a atacar por volta de 1624, tá.
E aí o Ruiz de Montoya, em 1630, lidera a evacuação, a evacuação da Província do
Guayrá, que era chamada de "a florida cristandade", tá!
A gente fica pensando, e é bom tu aí ficar pensando, TU, TU MESMO, tô falando contigo,
tu ficar pensando o que que teria sido esse oeste do Paraná se esse experimento guarani
e jesuítico tivesse ido adiante, cara.
Tinha 12 cidades lá, cara!
De cinco, seis mil habitantes cada uma, em 1620!!!
Com os ervais, com o gado, com o cacete, tudo funcionando, com escola, com os índios tocando
musiquinha, aprendendo, tudo catequizado!
TUDO DESTRUÍDO POR PAULISTA!
Por paulista, no caso, brasileiro; paulista é o nome deles, não tô acusando o paulista,
né, embora esteja!
E aí esse Ruiz de Montoya, em 1630, ele pegou DOZE-MIL-ÍNDIOS, DOZE MIL ÍNDIOS e reuniu
eles e fugiu pro Paraguai.
A fuga deles é épica cara, ele escreve com detalhe; eles descem o Rio Paraná até as
Sete Quedas, os saltos do Guairá, que eu conheci, que VOCÊS brasileiros afogaram quando
fizeram a represa de Itaipu.
Eu fui lá no último mês antes do Guayrá ser afundado.
Parecia a Foz do Iguaçu!
Era menor mas era lindíssimo...
ERA MAIS BONITA QUE A FOZ DO IGUAÇU!
Era o Salto do Guairá.
Com mais de 1200 canoas, 12 mil índios, alguns a pé, descem pela lateral daquela cachoeira,
sendo perseguidos pelos bandeirantes e cara, o seguinte ó, só ali morrem dois mil índios.
Dois mil!
Outros quatro mil se dispersam durante essa marcha épica que parece a fuga de Moisés
do Egito, só que o Mar Vermelho não abriu.
ALIÁS, eu prefiro ESSA fuga do que a fuga do Egito!
Particularmente, não é mesmo… Só que não tinha o Charlton Heston.
Todos liderados pelo Ruiz de Montoya.
Acabam chegando só 4 mil índios no Paraguai, desses 12 mil... porque vários desistiram
já, "Não quero mais!
Vocês não conseguem nos proteger!
Nós não queremos mais viver nessas reduções, não queremos mais ser reduzidos".
Cara, mas não acaba aí ainda a história e não acaba aí ainda a história do Ruiz
de Montoya, porque em 1638...
1637!, ele vem pro Rio de Janeiro, pro RIO DE JANEIRO, reclamar pro bispo!
"Vai se queixar pro bispo!", pro bispo do Brasil.
A capital do Brasil ainda não era o Rio de Janeiro mas já tinha bispado aqui e tal,
pra reclamar da ação predatória dos paulistas lá porque era ilegal cara, porque era ilegal!
Desde 1537 o papa Paulo não sei das quantas, sei lá, depois aparece aqui o nome, já tinha
determinado que era óbvio que os índios tinham alma.
Mas não é só isso, cara!
Já tinha sido determinado que esses índios eram CRISTÃOS!
Eles tinham sido BATIZADOS, eles eram CATÓLICOS!
Eles não podiam ser escravizados nem mortos e, além de tudo, o território era ESPANHOL,
NÃO PORTUGUÊS!
Então era um ataque 100% fora da lei, como o Brasil sempre gostou de agir.
E aí o Ruiz de Montoya veio pro Rio de Janeiro, reclamou, reclamou, reclamou e o bispo "ah
tá, vou tomar uma providência", reclamou pro rei de Portugal, o rei de Portugal disse
"não, não pode mesmo atacar, não sei o que..."
.... Portugal não tinha rei em 1638, sua besta!
A União Ibérica perdurou até 1640, VAI ESTUDAR!
Aí ele foi, o Ruiz de Montoya, pra Madrid.
E foi recebido pelo Rei Felipe IV.
Chegou em Madrid em 1638, foi recebido pelo rei Felipe IV e o rei Felipe IV autorizou
os guaranis a se armarem e os padres armarem os índios reduzidos e enfrentarem os paulistas!
E mais!
Ele ainda conseguiu que o Papa Urbano VIII promulgasse uma bula decretando que todos
aqueles que escravizassem índios guaranis seriam excomungados!
Seriam excomungados!
Uma bula papal, meu chapa!
Uma bula papal!
Foi isso que o Ruiz de Montoya conseguiu, em 1638, além de ter publicado, na Europa,
"O Tesouro da Língua Guarani", que é um livro maravilhoso, sobre as complexidades
filológicas e a etimologia da maravilhosa língua, ressonante, altissonante língua
guarani.
Além disso, ele escreveu um livro chamado "A Conquista Espiritual", no qual ele conta
todo o início dessas missões... livro no qual se baseia todo esse blá-blá-blá
que eu tô largando em cima de ti.
E nós estamos ainda apenas em… Quantos minutos, quantos minutos?
Vinte e seis minutos!
E ainda faltam, portanto, mais quarenta minutos para o final deste episódio.
Mas eu vou encerrando o episódio por aqui porque você vai ficar se perguntando: "o
que que aconteceu a partir do momento em que os paulistas foram ameaçados de excomunhão?"
e, acima de tudo, "o que aconteceu a partir do momento em que o Rei Felipe IV permitiu
que os jesuítas armassem, ARMASSEM, os seus guaranis, para enfrentar os paulistas?".
Quem vencerá essa terrível batalha?
O que aconteceu na Batalha de M'Bororé, no dia 11 de março de 1641?
Hein, hein?
O que que aconteceu?
Isso você só saberá no centésimo e magnífico episódio do "Não Vai Cair no ENEM", teu
programa favorito.
Mas meu, não é!
Haha!
Tá bom, então tá.
Foi bom o nonagésimo nono, hein?
Quanto deu, quanto deu?
VINTE E SETE MINUTOS!
Tchau!
Ah, esse foi bom!
O que você acaba de ver está repleto de generalizações e simplificações, mas o
quadro geral era esse aí mesmo!
Agora, se você quiser saber como as coisas de fato foram...
Ah, então você vai ter que ler.