#254: Um chute no preconceito - Part 1
Rádio Piauí.
Olá, sejam muito bem-vindos ao Foro de Terezina,
o podcast de política da revista Piauí.
Não toleraremos racismo, por isso, repudiamos com veemência
os ataques racistas que o jogador Vinícius Júnior
vem sofrendo reiteradamente.
Eu, Fernando de Barros de Silva, na minha casa em São Paulo,
tenho o prazer de conversar com o meu amigo José Roberto de Toledo,
aqui pertinho.
Opa, Toledo!
Opa, Fernando!
Opa, Raíssa!
Falando até mais grave.
Se o critério é que quem defende meio ambiente não tem isenção
para defender meio ambiente com os órgãos de meio ambiente,
daqui a pouco vai se fazer uma lei para dizer que o Ministério da Fazenda
não tem isenção para ficar com a Receita Federal.
E Thaís Bilenk, também em São Paulo. Salve, salve, Thaís!
Salve, salve, Fernando Toledo!
Houve uma tentativa de golpe, mas não conseguiram o golpe.
E um fato é claro, todos nós aqui somos contra aquilo que aconteceu,
independentemente do que é base e do que é oposição.
Vamos sem mais delongas aos assuntos da semana.
A gente começa o programa falando de racismo.
No último domingo, dia 21, em Valência, na Espanha,
durante uma partida entre o time da cidade e o Real Madrid,
uma parte da torcida anfitriã começou a gritar em coro,
Mono, Mono, que é macaco em espanhol,
em direção de Vini Júnior, jogador do Real Madrid.
O brasileiro acionou o árbitro, foi até a linha de fundo do campo
e apontou indignado para as pessoas na arquibancada de onde partiam as ofensas.
Foi armado um pequeno tumulto e o Vini Júnior acabou sendo expulso pelo juiz
depois de reagir a uma agressão de um jogador do time adversário.
Não foi a primeira, nem a terceira, nem a quinta vez que Vini Júnior
virou alvo de insultos racistas em estádios espanhóis.
Passam de 10 as ocasiões em que ele viveu tal situação trajante
pelo fato de ser negro.
Até o último domingo, nem os clubes, nem a liga responsável pelo campeonato espanhol,
nem o governo, nem o parlamento da Espanha haviam se mobilizado seriamente
para enfrentar essas manifestações racistas.
Desta vez, as coisas começaram a caminhar de outro jeito.
A reação indignada do jogador desencadeou uma onda de inconformismo
e solidariedade no mundo todo, sobretudo no Brasil.
Gente famosa de todas as áreas inundou as redes sociais em apoio a Vini Júnior.
Lula se solidarizou em público com ele e a ministra da Igualdade Racial, Anieli Franco,
acionou autoridades espanholas cobrando providências.
Algumas delas foram tomadas. O Valencia foi multado em 45 mil euros, cerca de 240 mil reais,
e prometeu banir do estádio os torcedores racistas.
A Federação Espanhola anulou a expulsão de Vini Júnior e fechou por cinco rodadas
a parte do estádio de onde partiram as ofensas.
Sete pessoas foram detidas, três delas haviam sido rapidamente liberadas.
É muito pouco ainda e há muita coisa para se discutir em torno deste caso,
que pode ser um divisor de águas no combate ao racismo no ambiente do futebol.
No segundo bloco, nós vamos falar da crise envolvendo o Ministério do Meio Ambiente
e a política ambiental do governo Lula.
Seria melhor falar de crises.
Primeiro, há um embate em torno da exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
O Ibama deu um parecer vetando a exploração e abriu uma guerra interna no governo.
Do lado de lá, para a exploração, existem interesses econômicos poderosos,
adeptos dentro do Ministério de Lula e no Congresso.
Além disso, e junto com esse problema, sob a tutela de Arthur Lira,
o Congresso está em vias de aprovar uma medida provisória alterando o desenho institucional do governo Lula.
Pastas com demandas e perfil progressista foram desidratadas.
Entre elas, o Meio Ambiente, que perderá para o Ministério da Gestão,
a gerência sobre o Cadastro Ambiental Rural, que é um instrumento para controlar os conflitos em áreas de preservação.
Marina perderá também o controle sobre a ANA, a Agência Nacional das Águas,
que passa para o Ministério do Desenvolvimento Regional.
Há outras mudanças que constituem no conjunto um ataque especulativo do Centrão
e das forças retrógradas sobre o desenho e as prioridades do governo.
Por fim, no terceiro bloco, a gente trata das novidades nas investigações sobre o ataque de 8 de janeiro.
O Major, que comandava o batalhão da Polícia Militar responsável pela segurança da Praça dos Três Poderes,
foi preso e no celular dele foi encontrada uma mensagem de 20 de dezembro que dizia o seguinte
A primeira manifestação é só deixar invadir o Congresso.
As instituições estavam funcionando, como gostam de dizer alguns cientistas políticos e editoriais da grande imprensa,
funcionando para arrebentar a democracia.
É isso. Vem com a gente.
Muito bem, José Roberto de Toledo, vamos começar com você.
O assunto dos últimos dias, talvez o que mais tenha mobilizado as pessoas,
foi o ataque racista sofrido pelo Vini Júnior e as reações que vieram depois disso.
Reações em grande parte nas redes sociais, que mobilizaram muita gente.
Por onde que nós vamos começar falando desse caso?
Para tentar entender esse fenômeno, Fernando, eu pedi ajuda para os universitários,
tanto da Arquimédia quanto do pessoal do Google Trends.
A gente debulhou um monte de dados, não só sobre esse episódio, mas sobre o histórico de racismo,
tanto do ponto de vista das redes, quanto do ponto de vista do interesse que esse assunto desperta
e que você detecta pela quantidade de buscas que elas vão fazer no Google, perguntando sobre isso.
E a minha conclusão é que racistas há e haverá.
O que uma sociedade pode fazer para controlar esses racistas e não ser contaminada por eles,
é aumentar o custo das demonstrações de racismo.
Então, para o racismo não se espalhar, tem que custar caro afirmar o racismo contra negros,
judeus, indígenas, qualquer grupo social.
Tem que custar caro, se a pessoa quiser reforçar a sua misoginia e o seu machismo.
Tem que custar caro pregar o preconceito contra gays e trans.
E tem que custar caro sempre.
Por isso, é importante ter leis específicas para punir esse tipo de crime e aplicar essas leis.
É importante ter datas e celebrações contra o preconceito.
E esse tem que ser um movimento permanente, cumulativo, mas a gente sabe que ele é cíclico.
Há momentos de maré cheia e há momentos de maré vazante.
Há momentos que esses temas despertam maior atenção e tem momentos que eles entram em ostracismo.
Por isso que eventos como os ataques ao Vinnie Jr. ou o assassinato do George Floyd nos Estados Unidos
são tão importantes.
Porque eles catalisam a energia social reprimida e provocam uma erupção que chacoalha toda a sociedade.
Eles expõem não apenas a perseguição ao Vinnie Jr.,
mas as milhões de humilhações cotidianas, as milhares de prisões injustas,
de crimes de ódio que de tão comuns mal viram notícia, ou se viram notícia, pouco repercutem.
Então, analisar esses eventos é absolutamente essencial e prestar atenção no que eles significam.
Olhando os dados aqui do Google Trends, no caso específico do Vinnie Jr.,
o Vinnie Jr. é responsável simplesmente pelos tweets de maior repercussão e engajamento no Brasil e na Espanha em 2023.
Ele sozinho tem esse recorde.
No ano inteiro?
No ano inteiro de 2023.
Nenhum tweet repercutiu mais do que os tweets do Vinnie Jr.
E ele tem os três tweets de maior repercussão em língua portuguesa em 2023.
E tem o tweet de maior repercussão em língua espanhola.
Isso é para dar uma dimensão do caso.
Mas, se a gente analisar historicamente a importância de eventos como esse,
e não há nenhum evento registrado desde 2004 até hoje, que é quando a gente tem os dados de buscas no Google,
que tenha repercutido mais sobre racismo do que o assassinato do George Floyd nos Estados Unidos.
Isso foi uma repercussão mundial.
É o pico de repercussão de interesses sobre o assunto, inclusive no Brasil e na Espanha.
As buscas por racismo e todos os temas relativos a ele, depois de George Floyd, mudaram de patamar no Brasil e nos Estados Unidos.
É incrível a repercussão que teve.
E o tipo de busca também mudou.
O Brasil está num estágio de preocupação social com o preconceito, especificamente racial, diferente da Espanha.
Não é que o Brasil seja menos racista do que a Espanha.
Racismo há em espanhol, há em português, há brasileiros, há espanhóis.
A questão é como a sociedade brasileira reage ao racismo.
E a sociedade brasileira está num estágio mais avançado de reação ao racismo do que a Espanha.
Os racistas espanhóis estão mais à vontade.
Não há uma legislação específica na Espanha para tipificar o crime de racismo, como existe no Brasil.
Aí você vai dizer, não, mas o racismo aqui continua campeando.
É verdade, mas a reação ao racismo aqui cresceu muito, muito.
Pra vocês terem uma ideia, pegando só os dados aqui do Google Trends,
o Brasil é o segundo país do mundo onde mais se pesquisa sobre racismo.
Só perde pros Estados Unidos.
A Espanha tem 38º lugar.
O Brasil é o terceiro país do mundo onde se pesquisa mais sobre preconceito.
A Espanha tem 48º lugar.
O Brasil está em primeiro lugar no mundo em busca sobre xenofobia, o significado sobre xenofobia.
Em primeiro lugar no mundo em busca sobre LGBTfobia.
E em primeiro lugar do mundo em gordofobia.
Então, esses assuntos ganharam um destaque no Brasil que é raro no mundo.
E ganharam justamente por causa de eventos, como esse do Vini Jr.
O evento do Vini Jr. não é o evento que provocou mais buscas no Google sobre racismo.
Está em terceiro lugar.
Em primeiro lugar foi o assassinato do George Floyd.
E o segundo foi um preconceito demonstrado contra filhos da Giovanni Obam lá em 2017.
Foi o segundo.
E agora o Vini Jr. está em terceiro.
Então, esses eventos são muito importantes pra catalisar essa energia social que está dispersa,
dar foco pro problema e gerar reações.
O Brasil tem uma legislação específica pra tipificar racismo.
Ele, mal ou bem, é aplicado.
Eu não estou querendo ser poliana aqui,
mas só estou destacando como esses eventos, essas ocasiões são importantes.
Precisa agir em cima delas.
Porque elas são grandes oportunidades pra mudar o comportamento.
E como eu disse lá no começo, aumentar o custo das demonstrações de preconceito e racismo.
Thaís, antes de eu dar os meus pitacos aqui, passo a palavra pra você.
Em primeiro lugar, eu acho importante frisar o mérito do Vini Jr.
em fazer desses episódios essa comoção.
Se tem aí nos ouvindo algum boleiro ou boleira iniciante, tal qual,
vou contar rapidamente a história dele, que é um homem de 22 anos,
nascido em São Gonçalo, no Rio, começou a jogar bola com 6,
e já nessa idade foi morar longe dos pais pra poder treinar no clube do Flamengo.
Criança ainda.
E com 16 anos o cara mandou três chapéus seguidos ali num jogo da seleção, no Sub-17, pronto.
Daí foi lá pra Real Madrid, não sei quantas centenas de milhões de reais de salário,
essas coisas inexplicáveis do futebol.
Mas o que impressiona é a inteligência dele.
Primeiro, a inteligência emocional de lidar com esses episódios.
E a inteligência de como transformar isso numa coisa que ajuda a combater o racismo.
Numa entrevista depois do jogo de domingo, um jornalista vira pra ele e fala
Você não vai pedir desculpas à torcida do Valência?
E ele reage sorrindo, olha pra cara do jornalista e fala
Você é otário?
E continua autografando as bolas e camisetas sorrindo.
Quer dizer, é descomunal a capacidade emocional e inteligência dele de tratar com altivez, né?
E falar, depois gravar vídeos dizendo
Aceitem, e se não quiserem aceitar, aturem, porque eu vou continuar.
Feita essa breve introdução, eu conversei com a Nina Santos,
que é diretora fundadora do Alafi Alabi, um laboratório voltado a observar o racismo nas redes.
Alafia significa, em várias línguas africanas, como Yoruba,
a posição no jogo dos búzios de caminhos abertos.
Então eles fazem esse monitoramento e acompanham 26 personalidades negras,
artistas, intelectuais, jogadores de futebol, influenciadores, etc.
Acompanham as contas em várias redes sociais dessas figuras
e veem como é que o racismo se manifesta,
tanto nas suas expressões racistas mesmo, como nas reações a ele.
Enfim, eles fizeram um primeiro relatório sobre essas contas,
de janeiro a março de 2023, que foi divulgado essa semana.
E o resultado que foi aferido para o primeiro trimestre valerá para o segundo,
segundo a Nina isso é dado como certo,
porque o resultado coincide, inclusive, com o relatório anterior.
De tudo que foi pesquisado, de todas as páginas, de todas as contas,
o Vinnie Jr. é o mais mencionado de geral, porque ele encara o racismo de frente.
Então ele traz o debate para as páginas dele.
Ele liderou as menções de racismo por causa do episódio de 26 de janeiro,
que foi quando torcedores espanhóis colocaram um boneco dele
numa ponte de Madri, simulando seu enforcamento.
E aí tem uma questão sobre a repercussão desse episódio,
porque o Vinnie Jr. posta, denuncia, publica, fala sobre o assunto na página dele,
que acaba repercutindo muito mais por conta do racismo
do que por causa do futebol dele.
Ou seja, ele acaba sendo assunto muito mais por causa do racismo
do que pelo futebol.
E essa é uma das perversidades do racismo, que ofusca quando inviabiliza o mérito
da pessoa negra, o talento, a capacidade, as conquistas dela.
Porque no caso do Vinnie Jr., as redes acabam trazendo o assunto do racismo,
mas o futebol dele fala por si.
Então ele não fica ofuscado por isso.
Mas a massa de pessoas negras que sentem o racismo todos os dias
acaba, sim, tendo que lidar com esse problema antes de poder trabalhar
seus próprios méritos.
Mas é curioso porque o Observatório do Racismo nas Redes
acompanha também as páginas do Neymar.
E eu perguntei pra Nina Santos como é que se encontra o racismo
nas páginas dele.
E o Neymar não se posiciona, ele não torna racismo uma pauta,
e isso não o impede de ser vítima de racismo.
Ele sofre ataque nas páginas dele, mas ele não reage.
Então ele tem menos episódios de racismo, mas ele tem muito menos comoção
e ondas de solidariedade do que o Vinnie também.
Esses episódios em estádio, eles dão booms, né,
dão explosões de manifestações, tanto racistas quanto antirracistas
nas redes, mas o Observatório do Racismo nas Redes
percebe que, na verdade, o racismo é permanente e sistemático.
Eles não dependem desses episódios em estádio para serem expressos.
As pessoas são sempre vítimas de racismo nas suas páginas.
E o racismo se manifesta, e daí a dificuldade do enfrentamento
a ele, de forma muito mutável.
Por exemplo, no caso do Vinnie, com a expressão corporal,
ele tem um jeito alegre de dançar para comemorar um gol,
e esse jeito de dançar foi usado em setembro de 2022,
em um dos episódios dos quais ele foi vítima de racismo,
por um cartola do futebol espanhol dizendo que ele tinha que deixar
de fazer macaquice, e um jogador adversário dele disse que se ele dançasse
ia dar ruim em campo.
E daí o Neymar, até o Neymar, entrou na discussão e falou
Baila Vinnie Jr., que é uma hashtag gigante das redes,
em defesa do Vinnie Jr. e das comemorações dele.
Já o Paulinho, do Atlético Mineiro, que é um candomblês orgulhoso
e ostenta, e fala da religião dele, do orgulho que ele tem nas redes,
é vítima de muito preconceito e racismo por causa disso.
E o que a Nina Santos diz é que, inclusive, intolerância religiosa
não é um bom termo, não é o mais preciso para se lidar.
Seria mais preciso dizer racismo religioso porque enfrenta,
no ponto, na raiz, o que significa quando você é discriminado
por uma religião de matriz africana.
E o racismo vai se expressando de várias outras formas, por exemplo,
no caso de mulheres negras, no levantamento, eles veem muito também,
que são, ah, você é grossa, você é agressiva, que são outras formas
de depreciar a personalidade negra, ou chamá-la de favelada,
ou favelado, também são outras formas do racismo aparecer
sem ser tão escancarado como o macaco, tá certo?
Formas que são mais difíceis de serem rastreadas e identificadas,
porém, não menos graves.
Tem uma razão para isso, né?
É crime no Brasil, se o cara escrever macaco, ele vai ser processado
e pode ser preso. Se ele escrever favelado, não, né?
Então, tem um motivo para esse escamoteamento do racismo.
Thais, você acabou falando algumas coisas que eu também ia falar.
Primeiro a respeito do comportamento dele.
Esse menino, de 22 anos, é muito politizado.
Isso é notável no Vini Jr.
Ele politizou o assunto de uma maneira, com um comportamento
muito diferente do que um jogador com esse nível de exposição.
Essa atitude dele destoa, pra falar mais uma vez,
da atitude do Neymar, que é um tonto, né?
Infantilizante, etc.
Daí vai baila Vini Jr., põe lá, tudo bem, ótimo.
Mas o Neymar é isso, é pra brilhar na rede.
O que o Vini Jr. está provocando é de uma ordem bem diferente.
E daí, quero até lembrar que o Brasil acumula casos vexatórios
envolvendo jogadores brasileiros, casos de crimes de estupro.
Pelo menos três.
A gente conhece o Duca, na década de 80, treinador hoje,
que saiu do Corinthians depois da crise que foi provocada
justamente por esse episódio de estupro.
O Robinho, também é um jogador de seleção brasileira,
que no começo desse século participou de um estupro
e foi condenado na Itália e está foragido no Brasil.
E o Daniel Alves, que ainda não foi julgado,
mas todas as evidências mostram que sim,
houve estupro em Barcelona, e ele está preso lá.
Então, eu acho importante a gente lembrar também desses casos,
porque a atitude do Vini Jr. é muito preciosa nesse sentido, sabe?
O ambiente do futebol, a gente sabe que é um ambiente conservador, né?
Tanto dentro da estrutura do futebol, como nos estádios.
É conservador, é machista, é agressivo.
O futebol propicia ou permite esse tipo de explosão coletiva,
digamos assim, irracionária, ou essas manifestações.
Eu, em função desse caso, fui reler um capítulo aqui
de um livro muito excepcional do José Miguel Wisnik,
que chama Veneno, Remédio, o Futebol e o Brasil.
Livro que eu recomendo, que é da primeira década desse século.
E em determinada altura, o Wisnik cita o livro do Mário Filho,
irmão do Nelson Rodrigues, que dá nome ao estádio do Maracanã,
que chamam Negro no Futebol Brasileiro, que é um livro de 1947.
O Wisnik diz o seguinte, que o livro do Mário Filho foi reeditado algumas vezes,
e essas edições posteriores incorporaram as vicissitudes da Copa de 50,
por cuja derrota alguns dos jogadores negros foram eleitos bode expiatório.
O goleiro, especificamente, o goleiro Barbosa,
que foi massacrado pela derrota na final contra o Uruguai.
E na Copa de 58, ele diz ao Mário Filho que o Brasil,
quando o Sagra campeou pela primeira vez, o Pelé, a figura do Pelé,
completa, segundo as palavras do Mário Filho, a obra da Princesa Isabel.
Que não é a obra da Princesa Isabel, a gente sabe,
mas ele está se referindo à abolição da escravatura em 1888.
Mas antes disso, ele conta que o futebol chegou no Brasil como um esporte de elite e amador.
Era um esporte na década de 10, começo do século passado,
um esporte muito excludente mesmo, que não tinha negros.
Começou a partir dos anos 20, principalmente de alguns times do Rio, Bangu, Vasco, São Cristóvão,
a incorporar negros, que entraram um pouco pelas brechas e tal.
E os negros que forçaram ou impulsionaram a profissionalização do futebol na década de 30.
E em 38, o Brasil, já com a profissionalização em curso,
o Leônidas da Silva, conhecido como Diamante Negro,
simboliza essa, digamos assim, a afirmação do jogador negro dentro do futebol brasileiro.
Eu não sei por que estou falando tudo isso, é porque me entusiasmei com o livro do Wisnik.
Eu queria só retomar um ponto, Fernando, baseado no que você falou aí sobre essa trajetória histórica,
que quando a gente vai olhar as buscas no Google por racismo,
a gente começa a ver, a partir de uns anos para cá,
uma quantidade muito grande de buscas por coisas como o que é racismo estrutural,
como acabar com o racismo, o que é racismo institucional,
o nível da discussão mudou, mudou para melhor.
Não é só discutir um episódio específico, mas é discutir como acabar ou como controlar o racismo,
e como entender o racismo como um fenômeno social mais complexo.
E tem uma coisa que me surpreendeu,
quando você vê o histórico de buscas, há sempre um pico em novembro,
justamente ao redor da data que marca o dia da consciência negra.
O que muita gente vê como uma bobagem, como um feriado a mais,
mas que provoca uma busca de novas pessoas querendo se informar mais sobre o tema.
Ou seja, essas coisas que parecem uma formalidade, elas têm uma importância.
Você ter uma lei específica para tipificar o crime de racismo é extremamente importante.
Você celebrar a consciência negra todo ano é extremamente importante.
Então, são coisas que vão sendo incorporadas na rotina, que às vezes a gente perde a dimensão,
mas são tão importantes quanto esses eventos excepcionais como o que envolveu agora o Vini Jr.
Muito bem, a gente já estourou aqui.
Eu espero, sinceramente, que esse episódio sirva para, entre outras coisas,
é um aspecto menor, mas sirva para entre outras coisas,
para passar o bastão da grande referência da seleção brasileira, deixar de ser esse tonto do Neymar,
e passar a ser o Vini Jr., que tem futebol para isso.
Para os zagueiros europeus, já foi feita essa transferência há muito tempo.
A The Athletic, que é um site sobre esportes americano, que foi comprado pelo New York Times,
fez um ranking do número de faltas recebidas por jogadores que atuam na Europa.
E o Vini Jr. lidera esse ranking disparado.
Ninguém chega nem perto.
Ele é o mais, além de ser o mais perseguido pelos racistas, é o mais caçado pelos zagueiros.
O que mostra que ele é o jogador que mais incomoda as defesas no mundo hoje em dia.
Defesas, torcidas e brancos racistas em geral.
Muito bem, a gente fica por aqui no primeiro bloco.
Temos um rápido intervalo.
Vamos falar de governo Lula, Ministério do Meio Ambiente, confusão pela frente.
A gente já volta.
A CIDADE DE SÃO PAULO
Na revista Piauí de maio, você vai saber quem é Altino Masson.
Um catarinense de 76 anos que está à procura de um sócio para explorar uma fazenda do tamanho da cidade de São Paulo.
Mas o terreno de mais de 180 mil hectares não fica no sul do Brasil onde ele mora.
Fica no estado do Amazonas.
O lugar que ele batizou de fazenda portal da Amazônia e de onde quer retirar mogno, cedro e andiroba, tem mata nativa intacta, uma fauna variada,
fica entre duas áreas de preservação ambiental e não pertence a ele.
É uma terra grilada. Mais uma da carteira de Altino Masson, o homem considerado o maior grileiro da Amazônia.
Na reportagem de Alain de Abreu. No papel, no computador ou no celular?
Você lê essa e outras reportagens exclusivas?
Saiba mais em revistapiaui.com.br
A Cidade de São Paulo
Muito bem, Thaís Bilencki, vou começar com você, que aliás, na semana passada, já tinha cantado a bola do que significava essa medida provisória,
que é um garrote do governo Lula, uma manobra do Centrão e de forças conservadoras para redesenhar a estrutura do Ministério e do governo,
com prejuízo das pastas, com agenda progressista e acabou sobrando pesadamente para Marina Silva. Começamos por aí?
Sim, Fernando. O que está na eminência de acontecer no Congresso em relação a isso?
O governo Lula, como ato número 1 em janeiro, editou uma medida provisória para organizar o Ministério,
ou seja, criar 37 Ministérios com tais atribuições, etc. Como sempre acontece, a medida provisória precisa ser validada pelo Congresso Nacional,
senão ela perde a validade. E a validade se esgota em seis meses, portanto, dia 1º de junho.
Caso não seja aprovada essa medida provisória, volta a vigir a organização ministerial que o Bolsonaro tinha montado.
Daí a urgência, a pressa e a faca no pescoço do governo Lula em ter essa medida provisória validada pelo Congresso.
Agora, como que funciona uma vez editada uma medida provisória?
O Congresso nomeia o Arthur Lira, o presidente da Câmara, um relator que vai escrever o texto que o Congresso vai aprovar.
E aí eu chego no meu personagem, Esnaldo Bulhões. E antes de vocês me dizerem,
ah, ela vai, Thaís, falar de deputado que ninguém conhece, deixa eu explicar quem é ele e por que eu vou falar do Esnaldo Bulhões.
Vamos lá, porque com esse nome ele já merece um espaço no Foro de Terezinha. Esnaldo, vamo, Esnaldo, vai que é sua.
Também conhecido como Esnaldinho.
Esnaldo aprontou, né, Thaís?
Esnaldo é de uma família tradicional de Alagoas, cria do Renan Calheiros, quer dizer, a família dele tem alguma relevância política local.
Ele é do grupo do Renan Calheiros, cujo filho, o Renan Filho, é ministro do governo Lula, ministro dos transportes.
O Renan Calheiros desistiu essa semana de compor a CPI do 8 de janeiro, dos atos golpistas,
e mandou um recado pro governo dizendo que tava tudo indo mal e desorganizado e lavou as mãos.
Esnaldo, Esnaldinho, era também amigo do Arthur Lira no começo da carreira de ambos,
quando o Arthur Lira não era um expoente político alagoano que ameaçava o poder dos Calheiros.
Quando o Arthur Lira começa a crescer como presidente da Câmara, sobretudo,
o Esnaldo se afasta do Arthur Lira, minimamente, embora mantenha relações, obviamente,
mas se afasta do Lira e fica próximo ao Renan, pai e filho,
tanto que, na campanha de 2022, na qual ele militou fortemente pelo Lula,
ele tava sempre no hotel que servia de QG da campanha petista em São Paulo.
Eu via Renan Filho, Esnaldinho e Paulo Dantas, que viriam a ser governador de Alagoas,
juntos pelo QG da campanha petista.
Agora, Esnaldinho foi escolhido relator dessa medida provisória por Arthur Lira,
que, como presidente da Câmara, tem a prerrogativa de escolher quem ele quiser.
Esnaldinho se reelegeu deputado federal por Alagoas, prometendo emenda parlamentar
para reformar a praça e construir quadra esportiva.
E passou os últimos dias dizendo, por exemplo, que o COAF,
Conselho de Controle de Atividades Financeiras,
aquele órgão que monitora transações suspeitas e é importante no combate à corrupção,
dizendo que ele acha melhor ficar no Banco Central, como era no governo Bolsonaro,
do que ir para a Fazenda, como previu o Lula na sua medida provisória.
E falando outras coisas que ele acha sobre como deve se organizar o poder executivo
e a administração federal, atribuições para as quais ele não foi eleito.
E o que ele achou melhor de tudo sobre a organização da Espanada dos Ministérios é,
eu ia dizer depenar o Ministério do Meio Ambiente, como disse a Marina,
mas eu acho que o Toledo, antes do programa começar, usou uma expressão melhor,
que é desossar o Ministério do Meio Ambiente e afrouxar e enfraquecer
a política ambiental brasileira de modo geral.
Eu não vou aqui dizer de novo tudo que ele colocou, que o Esnaldo colocou no seu relatório,
mas apenas concluir que essas iniciativas são todas de interesse ruralista,
bancada da qual fazem parte Arthur Lira e outros muitos deputados.
Como o governo tem pouquíssimos dias para aprovar essa medida provisória na Câmara
e também no Senado, o Alexandre Padilha, que é o Ministro das Relações Institucionais
e responsável pela articulação política, elogiou o Esnaldo Bulhões,
mas elogiaria qualquer pessoa que aparecesse na frente dele,
que a alternativa que eles têm é ainda pior, que é ter mais deformações
da organização da Esplanada pensada pelo Lula.
Agora, o governo comeu muita mosca, né, Thaís, para deixar chegar na boca do negócio
sem controle nenhum sobre uma coisa tão fundamental.
Lira e Pacheco passaram meses sem se falar, com desavenças sobre como seriam tramitadas
medidas provisórias como essa, por exemplo, querendo disputar poder entre eles.
E o governo foi chamado a enquadrar os dois há bastante tempo, acho que duas viagens minhas
para Brasília, isso já era pauta de Brasília.
Quer dizer, sim, o governo demorou a agir e agora precisou ceder em aspectos
que o governo considerou mais acessórios, mas que talvez não sejam tão acessórios assim.
Mas é necessário também deixar claro que essa iniciativa de reorganizar a Esplanada
e desidratar o Ministério do Meio Ambiente não é exclusiva do Arthur Lira,
porque o próprio MDB do Isnaldo Bulhões e do Renan Calheiros se fortalece com isso
ao passar atribuições a ministérios sob seu controle, como por exemplo das cidades,
que agora vai gerir saneamento básico.