5 Ficções Científicas Brasileiras esquecidas
O sucesso recente da série "3%", produzida pela Netflix, jogou luz em um gênero não muito
comum, nem comentado da nossa cinematografia: a ficção científica.
A série, idealizado por Pedro Aguilera, pode ser considerado um marco pela alta qualidade de
produção e roteiro, e já está na quarta temporada.
Mas o quanto esse gênero foi de fato produzido no Brasil? Será que existiu ficção científica por aqui,
além do filme dos "Trapalhões"?
Lógico que sim. venha comigo desvendar um pouco dessas
cinco ficções científicas brasileiras esquecidas.
♫ trecho do filme ♫
O que devemos levar em conta é que nem sempre nossos filmes ficaram ligados às
regras maiores do gênero. Assim como boa parte da nossa cinematografia, muito se inventou
e se experimentou com os meios possíveis.
Então, antes de dizermos que esses filmes são pobres, é preciso um olhar desprendido dos filmes
mais famosos de ficção científica norte-americanos ou europeus, e observar como esses
filmes existem e seus momentos de produção.
Nosso primeiro filme é também o mais primoroso do ponto de vista técnico. Contou com a presença
de equipe internacional e foi também graças ao mercado externo que se manteve vivo.
Estou falando de "O 5º Poder", filme de 1962, produzido pelo espanhol Carlos Pedregal,
que vivia no país na época, e dirigido pelo italiano Alberto Pieralisi.
As técnicas de realização são bem avançadas e se baseiam em fórmulas hollywoodianas,
em uma prática comum de parte do cinema brasileiro produzido nesse período,
que era o de montar equipes com nomes estrangeiros como forma de treinamento para os
profissionais nacionais.
Na verdade, tudo soa estrangeiro nesse filme, inclusive o enredo.
O jornalista Carlos, vivido por Oswaldo Loureiro, e sua namorada Laura, interpretada por Eva Wilma,
buscam desmantelar uma organização secreta estrangeira que envia mensagens subliminares
pelas antenas de rádio e televisão do país. A ideia do grupo, que misteriosamente falam um
misto de alemão e inglês, é desestabilizar o país para roubar seus recursos naturais.
O filme conta com cenas bastante intensas de perseguição de carros e acrobacias
no Cristo Redentor, de um jeito bastante inusitado para época.
Apesar do impressionante grau de realização, o filme, produzido às portas do golpe militar,
foi duramente censurado pelo governo, tendo todas as suas cópias destruídas
e forçado Carlos Pedregal a fugir do país.
A única cópia disponível hoje em dia foi localizada na Alemanha, 40 anos depois do lançamento,
uma espécie de testemunha rara de uma época.
♫ trecho do filme ♫
Os próximos dois filmes são também experiências estéticas, mas pertencem a um outro segmento,
o Cinema Novo. Em 1972, logo após ter feito sucesso com o seu filme
"Como Era Gostoso o Meu Francês", Nelson Pereira dos Santos encarou o desafio de realizar um filme
com elenco e produção parte brasileira, parte francesa.
O cineasta fez uma guinada inédita e propôs uma espécie de experiência com fundo de
ficção científica, chamada de "Quem é Beta?".
O cenário do filme é um ambiente pós-nuclear em que o governo teria sido abolido do país e as
pessoas teriam se tornado vagantes pelo que restou do Brasil.
Em uma casa bastante peculiar, vivem alguns sobreviventes, que dedicam parte da sua vida a
praticar tiro ao alvo com o que chamam de "infectados", mas que não passam de figuras
pacatas, que mais lembram retirantes.
Não há qualquer remorso por parte dos que detêm armas para julgar quem deve morrer
ou quem deve viver. É como se Nelson Pereira já identificasse que o mundo estava se tornando
rapidamente um lugar estranho e selvagem.
Apesar da tentativa de crítica por parte do filme em colocar bem clara a divisão e a luta de classes
no Brasil, podemos dizer que essa é talvez a produção mais amarga da carreira
de Nelson Pereira dos Santos.
O filme chegou a ser exibido no Festival de Cannes, mas nunca conseguiu ser distribuído por lá.
Aqui no Brasil, ficou menos de uma semana em cartaz, segundo conta o cineasta.
♫ trecho do filme ♫
Outro diretor do cinema novo que se aventurou na ficção científica foi Walter Lima Junior,
que, em 1969, dirigiu "Brasil, Ano 2000".
O tema do desastre nuclear também se faz presente, localizando os acontecimentos do filme
após a Grande Guerra Nuclear de 1989.
Walter Lima também a história uma família de retirantes, que acaba parando em um vilarejo
chamado de "Me Esqueci".
Lá, eles devem se passar por indígenas brasileiros perante a população,
como forma de sobrevivência.
Além desse ponto interessante da narrativa, que pensa o genocídio indígena no futuro,
quando ninguém mais saberá sequer a face de um ameríndio, o diretor também imagina o Brasil um
tanto utópico, liderando um projeto espacial, livre da influência das superpotências.
O filme conta também com uma forma de realização do Cinema Novo, mas com
uma visualidade bastante alegórica, incomum a esse período cinematográfico.
♫ trecho do filme ♫
Se o gênero é raro nos locais de produção tradicionais do cinema brasileiro,
agora imagine só fora deles.
Mesmo assim, "Abrigo Nuclear", de 1980, foi inteiro idealizado e rodado na Bahia.
Fruto da mente de Roberto Pires, cineasta que também assinou obras importantes no movimento
do Cinema Novo, mas que não teve o mesmo reconhecimento de Walter Lima ou de
Nelson Pereira dos Santos, o filme tenta se aproximar de uma estética produtiva
norte-americana, de filmes como, por exemplo, "Star Wars".
A história, todavia, é bem diferente.
Trazendo novamente a questão do desastre nuclear, Pires imagina uma civilização que precisa
viver no subsolo, longe do Risco trazido pela radiação.
A mensagem de recomeço e do medo do controle de um governo centralizante são bem
interessantes, se levarmos em conta o período da reabertura.
Infelizmente, as interpretações não são necessariamente as melhores.
O filme passou bem longe do sucesso de público, mas hoje é reconhecido como um raro e corajoso
filme de invenção, realizado na periferia, não só do mundo, mas também do Brasil.
♫ trecho do filme ♫
Nosso último exemplar é o mais intimista de todos.
"Amor Voraz", dirigido por Walter Hugo Khouri em 1984, traz a ficção científica de maneira muito sutil,
inserindo-a em uma espécie de drama misterioso.
O filme traz a história de Ana, interpretada pela jovem Vera Fischer. A moça vive em uma mansão
afastada por sofrer de distúrbios psicológicos.
Ali, tenta vários tipos de tratamentos. Um dia, ao passear pela propriedade, encontra um estranho e
silencioso o homem, que nasce das águas. Ele se comunica através de telepatia, e diz ser de um
planeta muito distante que está morrendo e que precisa encontrar uma forma de salvá-lo.
Logicamente, a história soa muito mal para as suas cuidadoras, que não levam a situação a sério.
O filme conta com a forte presença de um elenco feminino, e também de momentos bem longos de
contemplação, reflexão e até erotismo, uma das marcas do diretor.
Mas, acreditem, o filme passa longe do gênero da pornochanchada, tão famoso nesse período.
O filme foi até que bem recebido pelo público na época, mas acabou caindo no esquecimento.
A cópia disponível para visualização tem baixa qualidade, mas, mesmo assim, é possível sentir
a incomum a experiência que o diretor mergulha os espectadores durante as quase duas horas de filme.
Uma experiência estranha, mas, de certa forma, inesquecível à sua maneira.
♫ trecho do filme ♫
Este capítulo do UniverCine está chegando ao fim.
Espero que vocês tenham gostado. Novamente, eu agradeço muito a sua audiência.
Um abraço, e até a nossa próxima viagem!
♫ trecho do filme ♫