Biscoito ou bolacha? Égua ou mano? As diferenças linguísticas das regiões do Brasil
É biscoito, não bolacha. Oh...
Biscoito... e vamos às diferenças...
Mas de maneira nenhuma, ó, muito aqui, é bolacha.
Eu sempre tenho que explicar o significado do que falo para as pessoas de outros estados.
Tenho. Sempre tenho que explicar o significado, porque, assim, tem muita gíria que é muita coisa diferente.
Acho que mais ou menos... concordo, sim. Porque tem gíria que tem gente que não pega mesmo, não.
É pá, assim, tipo, que a gente fala: ah, não sei o que lá e pá. Eu já vi gente falando: pá? Que porra é pá?
E eu: e pá, afins, continua aí o assunto, o que você quiser pensar e pá...
Ah, isso aí com toda certeza, né? O égua, acho que o égua é o primeiro, égua, o pai d'égua, né? Ele muda de acordo com a tonalidade.
Acho que ele seria muito parecido com falar o tipo "mano", mais ou menos também dando tonalidade, então pode significar raiva, tristeza, susto, alegria...
As gírias, a gente não tem tantas gírias, mas a gente tem muito... encurtar as palavras. A gente encurta muito.
Então, assim, não é "qual foi, velho", é "qual foi vei".
Acho que não... Acho que as novelas, as gírias cariocas as pessoas sabem o que significam... boate, quando eu falo boate, bro, que é anos 90, bro, brother...
Essas coisas eu acho que as pessoas sabem o que significam por causa das novelas e das séries, então eu acho que não preciso explicar.
Sempre, não, mas algumas vezes, sim. Tem algumas coisas, algumas expressões que a gente usa de lá que algumas pessoas não conhecem aqui.
Então, por exemplo, "arrudeia". Arrudeia é dar a volta, né, então por exemplo, às vezes eu tô falando assim: nossa, vei, fulano tá falando, falando, falando, é um
arrudeio do caramba, não chega aonde quer chegar. Quer dizer que a pessoa fica enrolando e não chega aonde quer chegar. Então, às vezes, a pessoa não entende.
Agora que eu já estou há dois anos e meio aqui, eu já meio que acostumei a me adaptar com algumas falas.
Mas sempre, sempre. A vina é um exemplo muito claro, todo mundo fala, quem é de Curitiba. Vina é salsicha do cachorro-quente. É vina, lá.
Salsicha, lá, é um negócio desse tamanho, que enrola, assim, tipo um U, que fica pendurando nos açougues. Isso é salsicha. Lá, vina é do cachorro-quente.
Por exemplo, piá. A gente chama lá, entre os amigos, a gente chama de piá. E aí, piá, beleza, como é que tá? E aqui eu parecia um dinossauro falando piá
quando eu cheguei, eu não sabia o que falar. Hoje eu já sei que é o mano, inclusive sem querer eu já falo mano e tudo mais.
Caô existe, caô tá ali... não é geração Z, né, é millenium...
Ou essa coisa de ir no mercado, né? Eu tenho que ir na padaria, eu vou na padaria o caminho inteiro assim: não posso pedir cacetinho, não posso pedir cacetinho...
Aí eu chego lá e peço cacetinho... Aí eu não consigo, eu tenho que traduzir... aí eu digo: eu quero dois pães franceses.
Eu digo: gente, que coisa ridícula falar "pães franceses", mas é que eu não consigo de outra forma, né, eu tô traduzindo o negócio.
Mais ou menos... Eu tenho que explicar, sim, algumas coisas. Por exemplo, a gente corta muito as palavras, a gente fala rápido, às vezes,
e come algumas letras das palavras, aí eu tava no meu trabalho esses dias, e eu disse para a minha colega assim: ah, vou ali procurá um trem pra cumê.
E aí ela ficou assim... acho que na cabeça dela ela fez aquele meme da Nazaré, sabe? Tipo assim... trem pá cumê... ela deve ter pensado na CPTM,
do trem, alguma coisa assim... Então, assim, a gente tem algumas palavras que não usam aqui... Por exemplo, tava caminhando também esses dias com uns amigos
e aí eu falei para eles assim: a gente não pode ataiá por aqui, não? Aí ele falou: olha, aqui em São Paulo a gente não fala ataía, não, a gente fala uma outra coisa,
que eu nem me lembro o que ele falou lá, mas ataiá por aqui é diminuir o caminho, encurtar o caminho por aqui.
Meu namorado é daqui, de São Paulo, então quando a gente tá conversando, por exemplo, eu e a minha mãe, eu e alguém de Recife,
muitas vezes ele não entende, porque a gente fala muito rápido, e a gente vai comendo sílaba. E aí quando você vai ver, às vezes uma frase que deveria
durar um minuto, dura, sei lá, 15 segundos. E ainda agora, né, que dá pra acelerar áudio, então, nossa, quando eu pego áudio de alguém de Recife que eu acelero...
Sem chance, ninguém consegue entender.
Eu tenho uma amiga, que hoje em dia mora no Canadá, e ela foi comigo pra Três Pontas, que eu fui levar na cachoeira, e a gente entrou na cachoeira,
tava muito gelado, quando eu vi, eu falei que eu tava encarangando. Ela ficou olhando na minha cara pensando: como assim, tá encarangando?
Porque eu tava morrendo de frio, porque a cachoeira tava gelada, e ela não entendeu porcaria nenhuma... E, assim, os meus amigos aqui, no trabalho,
então sempre o jeito, a maneira como eu falo, às vezes eu solto uma palavra que ninguém entende e eu tenho que explicar o por que, o que significa aquela palavra,
igual se eu estivesse falando uma palavra estrangeira. Mas é legal, também, porque aí eles também aprendem o sotaque, porque da mesma maneira eu também não
entendo certas coisas que o pessoal fala aqui... Igual, uma vez em São Paulo, que o pessoal tava falando que a pessoa tava cometendo alguma gafe.
Aí... "mó guela", entendeu? Então, assim, eu também não entendo. Então cada estado tem as suas gírias, então às vezes a gente realmente não entende
e você tem mesmo que explicar para a outra pessoa.
Consigo reconhecer alguém do meu estado apenas pelo sotaque.
Nossa... 100%.
Com certeza!
Sim, consigo!
Ah, isso é a coisa mais fácil. A pessoa abriu a boca, já consegue saber quem que é.
Acho que qualquer pessoa do seu estado, eu acho que vai conseguir reconhecer. Tipo, o paraense eu consigo, super.
É muito fácil de você entender quando a pessoa é de Recife.
Mais ou menos. Claro que o goiano tem outras características além do sotaque, mas o sotaque do goiano é muito forte.
Inclusive o meu forte aqui, o r é bem puxado, né?
Agora mesmo, no trabalho, né, às vezes eu aplico provas para outras turmas e aí dá pra sentir o sotaque. Até o sotaque de Porto Alegre,
que eu não sou muito familiarizada, a gente consegue sentir, assim, né?
Vai chiar, e vai falar um égua, vai falar uma gíria específica que não tem como abrir mão. Já aconteceu, acho que aqui em São Paulo, na Paulista,
a pessoa passar conversando e eu paro assim: é do Pará? É de Belém? Ah, nossa, que legal, tá aqui em São Paulo, né? Visitando?
Ou quando passa com alguma camisa do Remo ou do Paysandu. E aí, pra gente tirar graça, né, eu grito o time oposto. E aí a pessoa toma até um susto, né?
Não vou saber, sei lá, se você me pergunta: mas como é o sotaque do pessoal da Paraíba, ou baiano, ou... eu não vou saber te dizer,
mas eu vou conseguir reconhecer quem é do meu estado falando.
É o olhar, a gente se sente. Isso é incrível. A gente sabe até, se duvidar, a gente acerta até o lugar de onde a pessoa é.
Não só de Pernambuco, mas eu reconheço facilmente, facilmente, um baiano, um paraibano e cearense, e o alagoano, até mais ou menos assim...
Mas nossa, o baiano é tiro e queda, você sabe. Ele falou, de longe eu já sei, esse cara é baiano. Recifense, total,
e ainda mais se a pessoa usar alguma expressão que é muito nossa.
Quando eu escuto um sotaque carioca, eu consigo identificar muito facilmente. O de São Paulo, eu confundo um pouco mais, porque tem o paulistano e o paulista,
então eu fico um pouco mais confuso.
Eu acho que consigo perceber mais pelas gírias, inclusive. Tipo, gíria de São Paulo, pode pá... Não tem, acho, outro estado que fala pode pá.
Acho, até, que é como reconheço outras pessoas, né, pelo sotaque também.
O sotaque de Volta Redonda eu não consigo identificar de jeito nenhum, porque as famílias são muito mistas. Então, em Volta Redonda varia muito por família.
Se você veio de uma família mineira, você vai falar muito igual mineiro, se você veio de uma família do Rio, você vai falar muito igual do Rio,
mas a grande diferença do sotaque de Volta Redonda são as pessoas que falam igual mineiro. Tem muita gente que fala muito mais mineirês do que eu tô falando agora.
Eu até vou contar um caso curioso que aconteceu comigo esse fim de semana. Eu tenho uns amigos que a gente tem uma banda, eu toco bateria,
e a gente foi tocar no quintal da casa dele, e tamo lá tocando, e conversa vai, conversa vem, quando eu vejo o vizinho dele - que eu, jamais, em uma
cidade com 12 milhões de habitantes, chegou na janela e falou: uai, mas parece que eu tô conhecendo essa pessoa, com um sotaque de Três Pontas...
Então, assim, foi muita coincidência, que era um amigo que fazia muitos anos que eu não via, e ele conheceu pela voz. E aí ele perguntou pra esposa dele e mostrou uma
foto minha e falou assim: essa aqui é a Naila que tá ali tocando? E ela falou: é ela mesmo. Ele falou: tá vendo, eu reconheci pela voz.
Então, assim, o mineiro tem um sotaque muito característico. Então se a pessoa abrir a boca, você já sabe que é mineiro.
Com certeza. Isso é fato. Você conversa dois minutos com a pessoa, e você viu que você conversou sozinho, você vê que é de Curitiba.
Não, mas o sotaque é muito forte, ele é muito forte. Você consegue definir... eu citei aqui o sotaque só no E, né? As pessoas exaltam o E, mas não é só isso.
A gente fala as coisas muito certas, lá. A gente define muito bem as palavras pra falar. Um exemplo muito claro é a blusa, por exemplo.
A minha mulher é daqui de São Paulo e esses dias ela pegou e falou assim: tá frio, você pode pegar uma blusa pra mim?
Falei: posso. Aí eu subi, e peguei uma blusa pra ela, uma blusa pra mim é uma blusa, um moletom, lã... Aí eu desci, tava numa sacola, e a gente foi embora.
Aí quando ela foi por a blusa, ela falou: não, mas não era essa blusa, era blusa de manga curta. Eu falei: então não é blusa, minha filha, é camiseta...
Então a gente tem muita divergência em relação a algumas coisas daqui, e quando a gente se encontra, a gente se une, a gente fala, realmente isso é muito errado.
Blusa é blusa e camiseta é camiseta.
É biscoito, não bolacha.
Oh... Hum...
Bem, eu fui ensinado a ter certas diferenças em relação a isso.
É biscoito!
Isso eu tenho que concordar, é biscoito.
Biscoito. E vamos às diferenças.
Mas de maneira nenhuma, muito aqui, ó, é bolacha, mano, biscoito é o bagulho de polvilho. Você come de polvilho, aí suja aqui o colo, isso aí é biscoito.
Agora, bolacha é bolacha recheada, bolacha de leite, bolacha de maisena, é bolacha, Nunca vi biscoito, não é possível, não existe.
Isso é briga. Mas é biscoito.
Bolacha é um tapa na cara, né? Bolacha é aquela gíria antiga que os nossos avós usavam lá pra falar bolacha, fulano deu uma bolacha na cara do outro.
Porque biscoito é tudo, gente, é wafer, água e sal, polvilho, recheado, enfim, do jeito que você quiser é biscoito.
Biscoito de queijo. Bolacha é aquela bolacha lá que a gente come, bolacha recheada, que vem no pacote, tá?
Mas tem escrito biscoito, não tem escrito biscoito na caixinha? É biscoito.
Na verdade, esse tipo de coisa... porque, assim, pra mim, biscoito, é o que é de polvilho. O que não é biscoito de polvilho ou pão de queijo, que tem até que
quando é maior o povo fala que é biscoitão, pra mim o resto é tudo bolacha.
Não, nesse caso eu vou dizer que não é biscoito, é bolacha. Lá a gente consome muita bolacha salgada, a cream cracker, ou a bolacha doce,
que geralmente o pessoal conhece como bolacha Maria, lá, e é muito consumido no café da manhã. Acho que as famílias de baixa renda consomem mais,
porque é mais acessível, né, e vem na cesta básica, e consome com café preto, café com leite... Então lá, se você falar de biscoito, é o biscoito recheado, né?
É que a gente costuma usar bolacha, né? Bolacha recheada. Biscoito seria talvez salgado? Eu não sei. Não sei.
Toda vez que eu vejo essa pergunta na internet, essa questão, eu fico pensando como a gente diz, e eu não consegui identificar.
Cara, sinceramente, eu discordo, só pelo simples fato de que eu não me importo com essa discussão. É muito raso.
Mas eu admito que eu mudei essa percepção um tempo atrás, porque há um tempo atrás eu queria até tatuar, assim, tipo que biscoito é sem recheio,
e aí eu ia tatuar um diagrama, assim, tipo, biscoito, recheio, biscoito, biscoito, bolacha. Tipo, tudo junto seria bolacha.
Mas hoje em dia eu não ligo, sinceramente, eu acho que comecei a me preocupar com coisas maiores.
Fim. Não tenho mais nada pra falar sobre isso.